Título: Ex-refém deixa cativeiro com críticas a Uribe
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Fonte: O Globo, 04/02/2009, O Mundo, p. 28

Ex-governador diz que guerra convém ao presidente colombiano e assegura que as Farc não estão derrotadas.

VILLAVICENCIO, Colômbia. Solto ontem após quase oito anos em poder das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), o ex-governador de Meta Alan Jara criticou duramente o presidente Álvaro Uribe, acusando-o de não fazer nada pelos sequestrados, e fez um apelo urgente por um acordo humanitário para a libertação dos demais reféns. Ele advertiu que "as Farc não estão derrotadas".

- Parece que ao presidente lhe convém a guerra, e às Farc que Uribe esteja no poder - disse Jara, em sua primeira entrevista. - Quero dizer-lhes que as Farc não estão derrotadas para nada. Lá há muitos, sobretudo jovens, por isso não há outra saída sem ser a negociação.

Com chapéu azul e uma mochila, como as usadas pelos guerrilheiros, Jara desceu do helicóptero brasileiro no aeroporto de Villavicencio às 14h10m de ontem, cerca de duas horas após ser recolhido na selva por uma comissão composta pela senadora oposicionista Piedad Córdoba e integrantes do Comitê Internacional da Cruz Vermelha. Muito magro e caminhando com dificuldade, foi recebido pela mulher, Claudia Rugeles, e pelo filho, Alan Felipe, de 15 anos. Jara é o quinto refém a ser libertado em três dias pelas Farc. Sua libertação ocorreu após uma disputa entre Uribe e a comissão humanitária quase cancelar a missão e atrasá-la em um dia.

- Livre, livre. Quero enviar um recado de esperança para meus companheiros que ainda estão no cativeiro. Hoje aconteceu um milagre, e outros milagres estão por vir - disse ele.

Com problemas de tireóide e num dos olhos, Jara contou que nunca pensou em tentar escapar, pois isso seria "jogar roleta russa com seis balas" e que temia uma operação de resgate, já que os rebeldes têm ordens para não deixar que escapem vivos.

- Meu temor não era que a guerrilha me matasse, mas que o governo fizesse com que me matassem - disse o ex-refém, que pretende integrar o grupo Colombianos pela Paz.

Aparentemente sem saber das críticas, Uribe disse que a libertação cria a esperança do fim do flagelo do sequestro. O chanceler Jaime Bermúdez, por sua vez, agradeceu a ajuda do Brasil, que está fornecendo apoio logístico para as libertações dos reféns.

Aos 51 anos, Jara era um dos dois últimos políticos em poder das Farc, e pôde ontem reencontrar o filho Alan Felipe, que tinha 7 anos quando o pai foi sequestrado. Para amanhã está prevista a libertação do ex-deputado Sigifredo López. A entrega unilateral dos seis reféns gerou comentários entre analistas de que as Farc estariam buscando reconhecimento internacional. Para o governo, é indício de seu enfraquecimento.

A entrega foi feita numa área rural do departamento de Guaviare e se seguiu à polêmica envolvendo a soltura de três policiais e um soldado no domingo, quando membros do grupo Colombianos pela Paz, parte da comissão, acusaram o governo de não suspender as operações militares, como o combinado. O governo ficou irritado ainda com o fato de um dos integrantes ligar para a emissora Telesur do local do resgate e colocar um guerrilheiro no ar. No dia seguinte, Uribe afastou Piedad e os dois integrantes da missão, mas após forte pressão dos parentes das vítimas reconsiderou a participação da senadora - com quem já teve atritos e que foi fotografada beijando guerrilheiros numa libertação ano passado.

As libertações ocorrem quase um ano depois de as Farc entregarem seis políticos a uma missão liderada por Piedad e respaldada pelo presidente da Venezuela, Hugo Chávez - mais tarde excluído por Uribe das negociações.

Aulas de inglês e russo para colegas de cativeiro

Ontem, Piedad disse ter insistido com os guerrilheiros para que mais reféns sejam soltos e agradeceu às Farc, no que pode gerar mais atrito com o governo.

- Isto (a libertação) devolve a credibilidade ao país de que se pode avançar através da saída política e negociada.

A libertação de Jara, contudo, não foi livre de polêmica. Há rumores de que o comissário para a Paz Luiz Carlos Restrepo tenha sido retirado da coordenação do processo de libertação após proibir o acesso de jornalistas ao aeroporto de Villavicencio.

Jara foi sequestrado em 15 de julho de 2001 quando guerrilheiros interceptaram o carro da ONU em que regressava a Villavicencio após a inauguração de uma ponte. Na época, as Farc o acusaram de ter vínculos com paramilitares. De acordo com ex-reféns, o ex-governador dedicou a maior parte do tempo no cativeiro a ensinar russo e inglês a outros sequestrados.