Título: Um castelo de dívidas e dúvidas
Autor: Menezes, Maiá; Galhardo, Ricardo
Fonte: O Globo, 06/02/2009, O País, p. 3

CORREGEDOR NA BERLINDA

Débitos trabalhistas levam MP a pedir bloqueio de bens do deputado Edmar Moreira.

A suntuosidade do Castelo Monalisa, que ontem o corregedor da Câmara, Edmar Moreira (DEM-MG), disse ter doado aos dois filhos, contrasta com a situação das empresas declaradas em 2006 por ele à Justiça Eleitoral. Alvo de investigação da Justiça de Campinas, o grupo Itatiaia, que reúne suas empresas,naufraga em dívidas trabalhistas. Está sob apreciação da 9ª Vara do Trabalho da cidade paulista pedido de bloqueio dos bens do deputado, feito pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em novembro do ano passado - incluindo o castelo Monalisa, na Zona da Mata mineira. O arresto serviria para pagar débitos com os cerca de quatro mil prestadores de serviço das empresas do deputado, todas do setor de vigilância.

Desde novembro, segundo os procuradores, o deputado está impedido de vender seu patrimônio. A empresa F. Moreira, que como a Ronda e a Itatiaia integram o grupo, é alvo do MPT desde outubro de 2006, quando 1.500 funcionários que prestavam serviço ao Banco do Brasil foram demitidos sem pagamento de rescisão. Edmar afirmou que doou o castelo aos filhos em 1993.

As primeiras denúncias chegaram ao MPT vindas de sindicatos do setor, que relatavam calote de férias, 13º salário e INSS nas três empresas. A Ronda e a F.Moreira foram responsáveis pela maior parte do financiamento, em 2006, das campanhas de Edmar a deputado federal e de seu filho, Leonardo Moreira, a deputado estadual por Minas Gerais (R$154 mil e R$104 respectivamente).

A Justiça bloqueou, em 2006, créditos de R$704.041,56 do Banco do Brasil e da Nossa Caixa junto à F.Moreira para pagar os débitos trabalhistas. O valor foi considerado insuficiente pelos procuradores para ressarcir os trabalhadores. Em janeiro de 2007, o MPT pediu o bloqueio de mais créditos, no valor R$2.495.770,19, dessa vez junto à prefeitura de São Paulo. Ali foi pedido o bloqueio dos bens de Edmar. Na lista feita pelos procuradores, que recolheram documentos no cartório de São João Nepomuceno, foram identificados nove imóveis em nome do deputado, sete em São João e dois em Juiz de Fora. Na declaração prestada ao TRE/MG em 2006, Edmar declara ter seis imóveis, dois em Juiz de Fora, três em São Paulo e um em São João.

Nos autos está a descrição do Castelo Monalisa. Os seis volumes indicam que Edmar teria saído do quadro societário da F. Moreira após ajuizadas as ações - o que, segundo os procuradores, caracterizaria "fraude de execução", prevista no artigo 593 do Código de Processo Civil.

As três empresas de Edmar não funcionam nos endereços declarados à Receita Federal . Uma grande placa de "vende-se" cobre a fachada de um decadente sobrado verde localizado na Avenida Tiradentes 1.402, em São Paulo, onde deveria operar a Ronda Empresa de Vigilância e Segurança Ltda. Segundo o vigia do prédio, a firma foi desativada ano passado.

Os imóveis onde deveriam funcionar a F. Moreira Empresa de Segurança e Vigilância Ltda (em Pilar do Sul, interior paulista) e o Centro de Formação e Treinamento de Segurança Itatiaia (na capital paulista) também estão às moscas desde a metade do ano passado.

Na pequena Pilar do Sul, a 140 km de São Paulo, a F. Moreira só abandonou a casa na Rua Elias Valio 389 após reintegração de posse ordenada pela juíza Mariana Teixeira Salviano da Rocha, em 25 de julho de 2008. Durante três meses, a casa funcionou como depósito de caixas de arquivos de ações trabalhistas enfrentadas pelas empresas de Edmar. Os donos do imóvel vão entrar na Justiça para receber sete meses de aluguel (R$5.800) que, segundo eles, não foram pagos.

A F. Moreira é objeto de duas falências decretadas pela Justiça de São Paulo - em março de 2007 e em janeiro de 2008. Já a Itatiaia foi descredenciada pelo Sindicato das Empresas de Segurança, Escolta e Cursos de Formação do Estado de São Paulo em 9 de agosto do ano passado.

A Ronda, segundo certidão da Junta Comercial de São Paulo, continua ativa. O imóvel de 1.500 metros quadrados onde funcionava a empresa está à venda por R$8 milhões. A imobiliária Leno, que negocia o imóvel, não informou se o prédio pertence à empresa.

Em janeiro de 2008, o juiz da 2ª Vara de Falências de São Paulo, Caio Marcelo Mendes de Oliveira, concedeu uma ordem de recuperação judicial a Edmar, em detrimento das massas falidas da F. Moreira e Itatiaia, e nomeou a advogada Ana Cristina Campi Baptista como administradora judicial. Ela não foi encontrada ontem.

Apesar de ter dito ontem que não foi denunciado nem ouvido no processo relativo à apropriação ilegal de contribuição social ao INSS de seus funcionários, Moreira foi oficialmente notificado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e já apresentou defesa prévia. Ele argumenta que pagou a dívida em parcelas, mas a Previdência nega a quitação e cobra multa e juros. A dívida é de cerca de R$1 milhão e, segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), o crime está "fartamente" comprovado.

A denúncia original foi feita pelo Ministério Público de São Paulo a partir de ação fiscal de 2000 que detectou a apropriação da F.Moreira Empresa de Segurança de valores descontados da folha de pagamento dos funcionários de março de 1997 a fevereiro de 1998 e de julho de 1998 a dezembro de 1998. A empresa descontava a contribuição previdenciária do funcionário, mas não repassava ao INSS. O caso está no STF porque Edmar tem foro privilegiado.

Na Corte, sua defesa alega que ele já parcelou e pagou a dívida. Segundo a PGR, a argumentação pretende "fazer crer que o pagamento das prestações até o montante originário seria suficiente para extinguir a punibilidade do agente". O inquérito aguarda relatório do ministro Eros Grau. Se o plenário aceitar a denúncia, o inquérito vira ação penal e Edmar passa a ser réu.