Título: O último refém político
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Fonte: O Globo, 06/02/2009, O Mundo, p. 27

Farc libertam ex-deputado que confirma a execução de 11 parlamentares na selva colombiana.

CALI, Colômbia

Terminaram ontem num aeroporto de Cali não só quase sete anos de sequestro de um ex-deputado colombiano, mas também a dúvida que pairava sobre o assassinato de 11 parlamentares na selva há dois anos. Sigifredo López foi o último dos seis reféns que as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) entregaram esta semana, numa missão marcada por controvérsias, e também o último refém político em poder da guerrilha. Ele desceu ontem de um helicóptero brasileiro às 14h (hora local) no Aeroporto Bonilla Aragón, sendo quase derrubado pela alegria com que foi recebido pelos filhos, Lucas e Sergio, que correram ao seu encontro, e pela mulher, Patricia Nieto.

- Estou bem, estou vivo e livre - disse López, chorando, enquanto dezenas de pessoas, a maioria amigos e integrantes do grupo Colombianos pela Paz, formado por ativistas e intelectuais, rodeavam-no com flores e gritavam "liberdade, liberdade".

Com camisa azul, boné, cabelos grisalhos e crucifixo de madeira no pescoço, o ex-deputado do Valle del Cauca é o único sobrevivente de um grupo de 12 políticos levados pelas Farc em 11 de abril de 2002 da Assembléia Legislativa. Em junho de 2007, seus 11 companheiros foram massacrados num episódio que fora mal explicado. A guerrilha afirmava que eles haviam morrido num fogo cruzado com o Exército, mas o governo dizia que uma falha de comunicação provocara um combate entre integrantes da própria guerrilha.

Segundo López, os guerrilheiros que vigiavam os deputados confundiram um grupo das Farc que se aproximava sem avisar com inimigos.

- Os guerrilheiros têm a ordem de assassinar os indefesos assim que sentirem o primeiro helicóptero ou a primeira bala, como ocorreu com meus companheiros. - disse López. - Mataram por pura covardia. É o que se chama de crime de guerra, e por paranoia.

O ex-refém, de 45 anos, pediu a libertação unilateral dos cerca de 700 reféns e que governo e guerrilha cheguem a um acordo para a libertação dos militares em cativeiro.

López passou seis anos e dez meses em poder das Farc e sua libertação se seguiu à do ex-governador do departamento de Meta Alan Jara, na terça-feira, e de três policiais e um soldado, no domingo. A senadora oposicionista Piedad Córdoba, que participou da missão junto com o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, contou que a operação foi complexa. O helicóptero, que partira 8h50m de Cali, não conseguiu pousar no local determinado, um ponto na selva de Cauca. Além disso, houve dificuldades de comunicação com a pessoa que estava com López.

- Avisamos que duas pessoas, uma da Cruz Vermelha e eu, teriam que saltar do helicóptero - contou Piedad. - Foi como um filme.

Ela disse trazer uma carta do principal comandante das Farc, Alfonso Cano, mas não deu detalhes

Uribe liga para presidente Lula para agradecer

Com a libertação dos seis reféns, as Farc quiseram demonstrar interesse em avançar na troca de reféns por guerrilheiros presos. Elas têm em seu poder 22 militares que pretendem trocar por 500 rebeldes. Têm também outras centenas de reféns, num conflito de quatro décadas que parece ainda estar longe de seu fim.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu ontem à noite um telefonema do colombiano Álvaro Uribe. Segundo nota do governo colombiano, Uribe "agradeceu o apoio logístico e operacional para a ação humanitária".

Em Brasília, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, disse que o Exército brasileiro havia cumprido sua missão de apoio ao resgatar o último refém. O Brasil colaborou com dois helicópteros Cougar, além de tripulantes e técnicos.

- O Brasil está sempre disponível para ajudar os seus vizinhos - disse Jobim.

A entrega dos reféns foi marcada por controvérsias. No domingo, o sobrevoo de aviões militares na região do resgate quase levou ao cancelamento da entrega dos quatro agentes de segurança. Integrantes dos Colombianos pela Paz acabaram excluídos da missão de resgate após um deles colocar um guerrilheiro em contato com uma emissora de TV. Na quarta-feira, o comissário da Paz, Luis Carlos Restrepo, renunciou ao cargo após o governo derrubar uma ordem sua impedindo o acesso da imprensa ao aeroporto de Villavicencio. Embora Álvaro Uribe tenha negado sua destituição, funcionários disseram que o presidente ainda não conseguiu entrar em contato com Restrepo.

oglobo.com.br/mundo