Título: Despencando de um penhasco?
Autor: Batista Jr., Paulo Nogueira
Fonte: O Globo, 07/02/2009, Opinião, p. 7

Até setembro do ano passado, a economia brasileira vinha resistindo à tempestade internacional. Com o agravamento da crise externa, de outubro em diante, acusamos o golpe. A atividade econômica, que vinha muito bem (bem demais, segundo alguns setores...), sofreu uma abrupta desaceleração e parece ter despencado de um penhasco. Até os setores mais conservadores reconhecem que a recessão é a maior ameaça; o problema da inflação ficou em segundo plano.

As expectativas de inflação para 2009 vêm caindo há três semanas, segundo o levantamento das projeções de mercado (o Relatório Focus), realizado semanalmente pelo Banco Central. A projeção mediana para o IPCA deste ano caiu para 4,6%, ficando bem perto do centro da meta oficial. A queda da inflação já está em curso e reflete a redução dos preços internacionais das commodities e a desaceleração da demanda.

Por outro lado, as projeções de crescimento econômico para 2009 estão ficando piores, em parte por causa dos números muito desfavoráveis de produção e vendas que vêm sendo registrados desde o fim de 2008. A projeção mais recente do FMI, divulgada na semana passada, indica crescimento de apenas 1,8% para o PIB brasileiro neste ano. O Relatório Focus publicado pelo Banco Central poucos dias depois, em 30 de janeiro, indicou que a expectativa mediana dos analistas no Brasil também caiu para um crescimento de 1,8% (em comparação com uma expectativa de 2,4% quatro semanas antes).

O que isso significa para o cidadão brasileiro? A queda da inflação, por si mesma, é positiva, pois tende a melhorar um pouco o poder de compra do salário. Mas esse efeito é sobrepujado pelo aumento do desemprego que resulta da contração da atividade econômica. Desemprego significa, evidentemente, salário zero (desconsiderando a ajuda temporária do seguro-desemprego e do FGTS). Além disso, o aumento do desemprego reduz o poder de barganha dos assalariados e tende a diminuir o salário real dos que permanecem empregados.

A desaceleração da atividade atinge o emprego e o salário real com alguma defasagem. Quando isso acontece, o que costuma despencar do penhasco é a popularidade do governo. (A oposição já está salivando intensamente, imagino, com a possibilidade de contar com uma queda do apoio popular ao governo.)

Obviamente, o governo sabe disso e vem agindo de várias maneiras, desde o final do ano passado, para tentar evitar a recessão, ou pelo menos diminuir a sua intensidade e duração. O Brasil tem bastante espaço para praticar uma política anticíclica. As medidas tomadas foram na direção certa. Mas é recomendável e necessário fazer mais.

As exportações não serão uma fonte de crescimento em 2009. O Banco Central prevê uma pequena queda do nível das exportações, reflexo da acentuada retração da economia mundial.

A solução é estimular o nosso mercado interno. Temos espaço para isso, tanto na área monetária como na área das finanças públicas.

O Banco Central pode continuar diminuindo a Selic com certa agressividade, como fez na última reunião do Copom. Os depósitos compulsórios sobre passivos bancários começaram a ser reduzidos mas ainda são muito altos, especialmente sobre depósitos à vista.

No campo fiscal, também há espaço para estimular a demanda interna via diminuição de impostos ou (o que é provavelmente mais eficaz) via aumento de investimentos e gastos sociais. O superávit primário do setor público está bastante alto e o déficit nominal é modesto. A relação dívida pública/PIB vem diminuindo nos anos recentes.

Bola para frente, portanto. O problema é que não existe, digamos assim, consenso total em Brasília. Como me disse um alto funcionário do governo, "o superávit primário e a taxa Selic se casaram e foram morar no Irajá". Lá, alheios a tudo, dedicam-se tranquilamente à ortodoxia de galinheiro.

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. é economista e diretor-executivo pelo Brasil e mais oito países no Fundo Monetário Internacional. E-mail: pnbjr@attglobal.net.