Título: Ensino de medicina está doente
Autor: Otavio, Chico
Fonte: O Globo, 08/02/2009, O País, p. 3
RAIO X NA SAÚDE
Com notas baixas, 17 faculdades são punidas pelo MEC; no Rio, Unig tem superlotação
Profissionais de jaleco branco dominam a cena no ambulatório do Hospital São José do Avaí, em Itaperuna. Eles estão por toda a parte, cercando os pacientes de atenção. As consultas são baratas, e a espera não é grande. À primeira vista, o lugar lembra uma espécie de paraíso da medicina. Mas aos olhos dos auditores do Ministério da Educação (MEC), que visitaram o hospital em outubro, a impressão é outra. Após dois dias de inspeção, eles concluíram que ali se pratica a forma mais perversa de formação do futuro médico no Brasil. Os profissionais de jaleco são, em sua maioria, alunos da Universidade Iguaçu (Unig), campus de Itaperuna (no Noroeste fluminense), que se acotovelam, num ambiente congestionado de alunos, no esforço diário de tentar aprender.
- As queixas dos pacientes são frequentes, principalmente de mulheres, que se sentem constrangidas de fazer um exame cercadas por cinco ou seis estudantes - diz a assistente social Maria das Graças Silva, secretária-executiva do Conselho Municipal de Saúde de Itaperuna.
Enquanto as diretrizes do MEC preconizam de quatro a cinco alunos no máximo, os auditores do ministério constataram que, em Itaperuna, as aulas do internato chegam a formar rodas de até 12 alunos em torno do paciente, fazendo do estudante um mero observador, incapaz de interferir no processo.
Esse excesso de alunos por paciente, situação que impede um campo de prática adequado à formação dos médicos, foi uma das principais razões da suspensão do vestibular da Unig-Itaperuna, decisão tomada pelo MEC em dezembro. Pelas deficiências constatadas, a Unig-Itaperuna foi uma das três faculdades no país, junto com a Severino Sombra, de Vassouras, e Superior de Valença, também do interior fluminense, a ter o vestibular cancelado pelo MEC. Ao todo, 17 cursos de Medicina no país estão na mira do ministério, após terem recebido notas 1 ou 2 no Exame Nacional de Cursos (Enade), o antigo Provão. Esses cursos foram submetidos pelo MEC a um processo de revisão iniciado em abril de 2008. Algumas faculdades tiveram que diminuir o número de vagas, e outras foram obrigadas a reestruturar os cursos.
No caso da Unig-Itaperuna, o MEC precisou ir à Justiça para fazer valer sua decisão. A Unig ignorou a medida e, além de realizar o vestibular, convocou os cem candidatos aprovados para a matrícula. O processo só foi interrompido depois que o governo federal obteve liminar na 1ª Vara Federal da cidade, obrigando a Unig a suspender o início das aulas, previsto para amanhã.
Para reitor, festa rave provocou nota 1 no Enade
O curso de Medicina de Itaperuna tem cerca de 850 alunos (do segundo ao 12º períodos), que pagam R$2,5 mil de mensalidade. Para o MEC, a estrutura oferecida não suporta tanta gente. Há 12 anos, quando foi aberta na cidade, a Unig oferecia 50 vagas por semestre. A partir de 2004, porém, os planos empresariais de seus gestores começaram a inchar o curso. A capacidade subiu para 60 alunos. Depois, 70, até chegar aos cem há três anos, causando o afastamento do coordenador do curso, o médico Renan Tinoco. Também diretor-geral do Hospital São José do Avaí, com o qual a Unig mantém convênio, Tinoco se opôs à expansão.
Como o inchaço, as receitas cresceram na mesma proporção em que a qualidade do ensino caiu. Para garantir o mínimo de formação prática, principalmente os alunos do internato (do 10º ao 12º períodos), a Unig precisou buscar convênios com outros hospitais, como o Hospital-Maternidade Santa Teresinha e o Centro Regional de Saúde Raul Travassos. A direção da Unig garante que os novos convênios atendem à demanda, apesar do desempenho obtido no último Enade, no qual a Unig teve conceito 1.
-- Os alunos saíram de uma festa rave e foram direto para a prova - disse o reitor da Unig, Júlio César Silva, para explicar o resultado.
Mas, na inspeção de outubro, os auditores do MEC se detiveram principalmente no internato, a parte final do curso destinada às atividades práticas. Nessa fase, um bom curso de Medicina deve exigir a presença do acadêmico em campo nas áreas básicas, como clínica médica e cirurgia. Além do excesso de alunos por paciente, o relatório dos auditores indicou falhas no projeto pedagógico, insuficiência de aulas no campo e no acervo da biblioteca e carga horária menor do que a declarada oficialmente, além de falta de autonomia em relação à matriz da Unig, fundada pela família do ex-deputado federal Fabio Raunhetti em Nova Iguaçu. Semana passada, a Unig recebeu a minuta de um termo de saneamento de deficiência, em que ela deverá se comprometer a tomar medidas de correção em um ano. Caso as providências não sejam tomadas, o MEC manterá o veto ao vestibular, o que, a longo prazo, levará ao fechamento do curso.