Título: Caso do corregedor é uma triste comédia de erros
Autor: Menezes, Maiá; Freitas, Rodrigo
Fonte: O Globo, 08/02/2009, O País, p. 10

Professor de Filosofia diz que o PMDB, mais forte com eleições para o comando do Congresso, vai chantagear o governo

A avalanche de denúncias contra o deputado Edmar Moreira (DEM-MG), eleito 2º vice-presidente e corregedor da Câmara há uma semana, fez lembrar ao professor de Ética e Filosofia da Unicamp Roberto Romano um artigo que escrevera durante a Assembleia Nacional Constituinte, intitulado "O prostíbulo risonho". Tratava das práticas "fisiológicas" do Centrão, o bloco suprapartidário comandado pelo então presidente da República, José Sarney. O texto valeu a Romano um processo judicial. As lembranças se avivaram ainda com a eleição de Sarney para presidente do Senado, e de Michel Temer, na Câmara. Para Romano, o PMDB é a mesma "federação de oligarquias" com força para chantagear o governo. O candidato que se aliar ao partido em 2010, diz ele, levará vantagem. Mas pagará um preço.

Flávio Freire

O episódio envolvendo o novo Corregedor da Câmara, Edmar Moreira (DEM-MG), é um reflexo da impunidade que paira sobre o Congresso?

ROBERTO ROMANO: No período do Centrão (bloco suprapartidário que atuou na Assembleia Nacional Constituinte), escrevi certo artigo que me valeu um processo na Justiça, movido por uma liderança parlamentar. O título do artigo era "O prostíbulo risonho". O caso do corregedor que burla o Fisco, não paga o governo pelo INSS de seus funcionários e ainda ostenta o título de "corregedor" é mais do que triste. É uma comédia de erros. O pior é ter aquele personagem o apoio de lideranças petistas, as antigas monopolizadoras da ética na política. Se o povo olhasse as mãos dos que confeccionam nossos ordenamentos legais, o cidadão que paga impostos apelaria, de imediato, para o controle sanitário.

O que o senhor acha do fortalecimento do PMDB, que ganhou as presidências da Câmara e do Senado?

ROMANO: O PMDB é uma federação de oligarquias e nele os ganhos e perdas, em termos táticos ou estratégicos, dificilmente são distribuídos de maneira igual. Saiu vitoriosa a facção com o perfil do franciscanismo político (a política do "é dando que se recebe"), a que imperou com o Centrão, no qual a fisiologia atingiu seu ponto mais lamentável. Não saíram vencedores (os senadores) Jarbas Vasconcelos, Pedro Simon e outras lideranças cuja origem se aproxima de Ulysses Guimarães e de outros estadistas. Se o PMDB é um organismo sempre tenso, devido aos interesses conflitantes dos oligarcas que o dividem, as presidências do Senado e da Câmara servem mais para garantir um balcão onde o Executivo será chantageado com exigências de cargos, ou bajulado, tendo em vista os mesmos cargos, recursos.

O governo será chantageado pelo PMDB?

ROMANO: Os governos civis, desde o começo da fase democrática que substituiu os militares, são chantageados pelo PMDB. Aquela federação oligárquica ostenta um amplo know how e tem patente no assunto.

A eleição de José Sarney e Michel Temer para o comando do Congresso é uma volta ao passado?

ROMANO: No caso de Sarney é um claro retorno ao Centrão, acrescido de adversários oligárquicos, como Fernando Collor. Um adendo lamentável: na época do Centrão, o PT pregava a ética política radical e, mesmo, moralista. É do período o slogan que rezava serem todos os demais partidos "farinha do mesmo saco", e que o PT seria o único diferente. Hoje, o PT joga alegremente sua farinha no saco da política "realista". O passado, no plano senatorial, voltou.

Qual o papel do PMDB no processo eleitoral, já que 2010 não terá Lula candidato?

ROMANO: O PMDB, sendo uma federação oligárquica, tem bases fortes em todo o país. Se um dos candidatos conseguir o apoio do PMDB de uma das regiões, conforme a densidade populacional e eleitoral da região, ele terá vantagem manifesta sobre os demais. Uma hipótese: se o PSDB escolher Serra (o governador paulista, José Serra) e Aécio (o governador de Minas, Aécio Neves) for levado a entrar para o PMDB, várias regiões estão, de imediato, perdidas para Serra. No caso de Dilma Rousseff (chefe da Casa Civil), caso ela queira apoio de oligarcas desta ou daquela região, sabe que a conta a ser paga, antes das eleições, é salgada.

Que avaliação faz do Congresso, que optou por manter nomes da velha política?

ROMANO: Se existe legislatura abaixo de qualquer expectativa positiva, podemos falar da atual. Assuntos de interesse coletivo, como a crise na economia, os problemas de ciência e tecnologia, a segurança pública, a saúde etc., passam ao largo dos debates no Congresso.

A oposição se fortalece ou não com a eleição de Temer e Sarney, lembrando que o próprio PSDB rachou?

ROMANO: O PSDB saiu enfraquecido no episódio. E ocorreu outra ruptura grave no partido, na disputa pela liderança na Câmara. O PSDB só poderá atenuar a perda e as futuras sangrias de poder se praticar uma política interna baseada em diálogo e democracia. Se imitar procedimentos do PMDB ou do PT atual, prejudicará a candidatura de seu político com mais condições de disputar a Presidência.