Título: Uma das janelas desse castelo é minha
Autor: Menezes, Maiá; Freitas, Rodrigo
Fonte: O Globo, 08/02/2009, O País, p. 10

Ex-funcionário cobra dívida e outro diz que imóvel teria abrigado cassino; DEM já analisa excluir deputado da Mesa.

RIO, BELO HORIZONTE e BRASÍLIA. Uma placa costumava dar o alerta aos visitantes: "Proibido filmar e fotografar". Aos amigos que frequentam os 192 hectares do Castelo Monalisa, em jantares e churrascos, o aviso é expresso: o capitão Edmar, como é conhecido o corregedor da Câmara, Edmar Moreira (DEM-MG), não gosta de ver publicadas imagens do palacete que, na semana passada, disse ter doado aos filhos em 1993. Com acabamentos por fazer, numa obra que durou mais de uma década, o castelo tem 36 suítes, todas triplex, segundo hóspedes esporádicos que preferem o anonimato. Para ir ao banheiro, é preciso subir ou descer um andar.

Imponente e destoante no meio da estrada que leva ao pequeno distrito de Carlos Alves, com 1.200 habitantes e 400 casas, o castelo impressiona ainda mais por dentro. O salão principal tem 800 metros quadrados, com um pé-direito de cerca de 12 metros. Na garagem, cabem pelo menos 40 carros. A suíte do casal tem elevador. Antigos amigos, que iam ao palácio nos anos 90, disseram que ele já chegou a empregar 200 pessoas.

De olho no luxo está o vigilante Fernando de Martini, que mora em Orlândia (SP) e trabalhou dois anos e oito meses para o Grupo Itatiaia, que reúne as empresas de Edmar. Sem receber o FGTS depois da demissão, em 2006, ele ficou surpreso com a fortuna do ex-patrão. Segundo ele, o pagamento começou a atrasar em outubro de 2006, quando a sede de uma das empresas, a F.Moreira, fechou.

- Fiquei sabendo desse castelo pelo jornal. Foi duro ver que empresas que nos devem pagaram a campanha dele. Esse dinheiro deveria ter sido repassado para nós. E uma das (275) janelas é minha - disse Martini, que calcula ter levado calote de R$10 mil das empresas de Edmar.

Fotos publicadas ontem pelo jornal "O Tempo" mostram o luxo do castelo por dentro. Durante a semana, o deputado estadual Leonardo Moreira (DEM-MG), filho de Edmar, disse que o castelo não tinha acabamento interno. "A construção está pronta por fora. Se quiser utilizar o banheiro, você não vai conseguir", afirmou Leonardo Moreira.

Um ex-funcionário do Castelo Monalisa, que trabalhou para Edmar Moreira de 1991 a 1996 e foi ouvido por "O Tempo", contou o que viu nos salões: "É um palácio luxuoso, com um salão de jogos que atraía políticos e empresários. Tinha até caça-níquel".

O servente confirmou que muitas vezes viu políticos. "O local era frequentado por políticos e empresários da região. Um dos que me lembro de ter visto foi o (ex-prefeito de Juiz de Fora Carlos Alberto) Bejani. A gente sabia que eram (políticos) porque os seguranças nos avisavam, mas todos tinham tratamento de barão".

O luxo do Castelo Monalisa não era o que mais chamava a atenção dos funcionários. "Ficávamos todos impressionados com a quantidade de dinheiro que os convidados perdiam lá. A gente via muito dinheiro indo para os cofres. Era uma infinidade de notas de R$50 e R$100", contou o ex-funcionário. "O que também atraía muito os convidados era a adega do castelo. Havia pelo menos oito mil garrafas."

Em São João Nepomuceno, a população evita comentar a vida do parlamentar. Algumas pessoas dizem que ele costuma frequentar o castelo com a esposa nos fins de semana. Mas tem pouco contato com a comunidade.

- Para nós, não gera nada: nem emprego nem um simples oi - disse o padeiro Téo Godoy, que quebrou o gelo da população e falou do castelo. - Eles não têm comunicação com a comunidade. Passam em carrões e com vidros fechados.

Ontem, dezenas de curiosos foram a Carlos Alves para ver o castelo. A segurança fica nos arredores 24 horas, e ninguém entra sem autorização.

Edmar Moreira herdou o apelido de capitão do posto que alcançou na Polícia Militar mineira. Sua carreira foi interrompida por um escândalo em Juiz de Fora: em 1968, ao saber que um rapaz havia assediado sua mulher, o então capitão Edmar obrigou o jovem a entrar de pijama numa festa. Acusado de abuso de autoridade, Edmar foi punido e afastado da ativa. Depois de três anos, formou-se em Direito. Mudou-se para São Paulo, onde fundou uma empresa de segurança privada e começou a enriquecer.

Hoje, Edmar é inimigo político da irmã Edméa Moreira (PSDB), prefeita de São João Nepomuceno. Por estar localizado em área rural, o castelo está livre de Imposto Territorial Urbano (IPTU). Desde 1983 há pressão da população para que a extensão urbana da cidade seja ampliada - obrigando ao pagamento do IPTU. O deputado também tem desentendimentos antigos com um dos irmãos, o engenheiro florestal Elmar Moreira:

- Simplesmente o ignoro. Há 11 anos não nos falamos. Nunca mais conversei com ele e nem pretendo. É um enredo de novela das oito - disse Elmar Moreira ao GLOBO.

Elmar acusa o irmão Edmar de tirar-lhe, na Justiça, a fazenda Pedra Bonita, vizinha do castelo. Na terra alvo da disputa, Elmar afirma que tocava um hotel inaugurado nos anos 80. Enciumado, Edmar decidiu construir o castelo. O deputado Edmar Moreira não foi localizado para comentar as declarações do irmão e dos ex-funcionários.

Em Brasília, a denúncia de que Edmar mantinha um cassino no castelo agravou sua delicada situação política. Ele enfrenta nova maré para vê-lo removido não só da Corregedoria, como ficou definido anteontem, mas também da 2ª vice-presidência, posto para o qual foi eleito como candidato avulso. E diante da possibilidade de se ver processado no Conselho de Ética da Casa - processo que pode cassar seu mandato - Edmar já se mobilizou para convencer colegas de que não há irregularidades.

- O deputado não tem mais condições de ser vice-presidente da Casa. Se não pode ser corregedor, como pode permanecer na Mesa da Câmara, substituir o presidente e comandar a Câmara? - disse o deputado Rodrigo Maia (RJ), presidente do DEM.

De acordo com Maia, se a Executiva optar pela expulsão sumária, o DEM vai requerer no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o mandato de Moreira.