Título: Filantropia: MP é rejeitada, mas sem efeito prático
Autor: Suwwan, Leila
Fonte: O Globo, 11/02/2009, O País, p. 9

Todos os certificados para entidades investigadas pela PF foram renovados antes da votação e continuam valendo.

BRASÍLIA. Em votação simbólica e articulada pelo governo, a Câmara derrubou ontem a MP da Filantropia. Mas a rejeição não tem nenhum efeito prático, porque, nos três meses em que a MP ficou em vigor, foram renovados todos os certificados de filantropia pendentes, inclusive os de entidades investigadas pela Polícia Federal sob suspeita de irregularidades. Acabaram beneficiadas entidades filantrópicas cujas contas estavam sob contestação do INSS.

Mesmo com a rejeição da MP, os certificados renovados no período de vigência continuam valendo. Agora, a oposição ao governo, em minoria na Câmara, tem 60 dias para tentar aprovar um decreto legislativo com o objetivo de desfazer as renovações automáticas dos certificados - o que será quase impossível. Na prática, portanto, a MP permitiu uma anistia bilionária para entidades filantrópicas. Semana passada, o governo concluiu um mutirão que renovou cerca de sete mil certificados automaticamente - inclusive de entidades que já tiveram pedidos negados.

O certificado de filantropia é uma espécie de passaporte para isenções tributárias e deixa a entidade blindada contra autuações da Receita Federal. Ela só pode ser cobrada quando perde o certificado. Porém, a MP encerrou todos os processos existentes contra as entidades, o que apagou todo o trabalho de fiscalização e investigação já realizado por auditores do setor.

Ao articular a derrubada da MP, ontem, o governo calculou que seus efeitos práticos já estavam vigorando. Além disso, ficava resolvido o impasse com o PMDB, que se recusou a aprovar um texto que foi simbolicamente devolvido pelo ex-presidente do Senado Garibaldi Alves (PMDB-RN).

O relator na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), alegou a inconstitucionalidade da MP, por falta de relevância e urgência, mas defendeu os atos já praticados:

- O que já aconteceu foi um ato jurídico perfeito. O que ficou para trás acabou.

Oposição tentará decreto para rever atos praticados

Integrantes da oposição tentarão aprovar um decreto legislativo para reverter os atos praticados, mas a base governista deve rejeitar qualquer iniciativa. Mesmo assim, o deputado Otávio Leite (RJ) disse que o PSDB irá tentar "separar o joio do trigo".

A oposição acusou o golpe do governo e reconheceu que há pouco a fazer.

- O governo não pode ter um instrumento assim, ditatorial, monárquico, de editar uma MP, fazer o que quer e, depois, mesmo rejeitado o texto, fica tudo do jeito que está - disse o líder do PPS, Fernando Coruja (SC).

- Não podemos deixar passar em branco. Quero saber se o Congresso vai permitir um precedente assim. São milhares de processos irregulares - disse Ivan Valente (PSOL-SP).

Há promessa de aprovar um projeto de lei com urgência urgentíssima - rito regimental que permite aprovações sumárias em plenário - para evitar o vácuo deixado. Isto porque não está valendo mais a parte considerada benéfica da MP: a descentralização da fiscalização para outros ministérios e a possibilidade de autuações imediatas.

- Vamos apresentar um projeto de decreto legislativo na hora oportuna. E não vamos dar presença para esse projeto de lei - disse o líder do PSDB, José Aníbal (SP).