Título: Pacote aberto
Autor: Passos, José Meirelles
Fonte: O Globo, 12/02/2009, Economia, p. 19

Indefinição do plano de socorro a bancos nos EUA é criticada por parlamentares e investidores

Depois de uma avalanche de críticas de Wall Street e de parlamentares republicanos à falta de detalhes do pacote de US$2 trilhões que anunciara na véspera, o secretário do Tesouro, Timothy Geithner, submeteu-se a uma audiência de pouco mais de três horas e meia ontem na Comissão de Orçamento do Senado. E, igualmente pressionado ali, acabou admitindo basicamente que o programa de recuperação do mercado financeiro é uma espécie de obra aberta, ainda inacabada. Geithner disse que os detalhes serão revelados aos poucos, à medida que forem sendo preenchidos os requisitos das medidas planejadas, num exercício de cooperação entre o Tesouro e o próprio Congresso, além de consultas aos principais agentes do mercado:

- Vamos ter uma definição o mais rapidamente possível. Continuaremos as consultas com o Congresso para preencher o pacote com detalhes, de maneira cuidadosa. Pois esse programa tem que andar de mãos dadas com o outro pacote (da Casa Branca), que a Câmara e o Senado estão analisando - alegou Geithner. - À medida que desenvolvermos os detalhes desse plano em consultas com vocês, teremos uma percepção melhor sobre o que será necessário para fazê-lo funcionar, e se vamos precisar de recursos adicionais e mais autoridade.

No mercado financeiro, as reações foram negativas no início do dia, com a maioria das ações em queda. Ethan Harris, chefe de pesquisas da Barclays Capital, disse que o governo cometera um "erro tático" ao criar muita expectativa antes de anunciar o plano. As bolsas americanas, no entanto, fecharam em alta. O otimismo aumentou com a notícia, à tarde, de que Câmara e Senado haviam chegado a um acordo sobre o pacote de estímulo econômico da Casa Branca. O índice Dow Jones fechou em alta de 0,64%, o Standard & Poor"s, de 0,8%, e o Nasdaq, de 0,38%.

Insatisfação com pacote faz Bovespa cair 0,88%

No Brasil, porém, a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) não teve tempo de refletir esse otimismo - o acordo foi anunciado a dez minutos do fim do pregão - e acabou fechando em queda de 0,88%, aos 40.845 pontos. O dólar fechou em alta de 0,26%, a R$2,29.

- O que acontece é que o mercado estava esperando um remédio milagroso. E, na verdade, o que está tendo é um novo sinal de alerta de que vai demorar para se resolver essa situação. Aqui não há conserto rápido - resumiu David H. Ellison, investidor-chefe da FBR Funds.

Geithner não disse sim nem não quando um dos membros da Comissão de Orçamento do Senado lhe perguntou se os fundos anunciados serão de fato suficientes. E tampouco quando outro insistiu - diretamente - se ele precisará que o Congresso aprove mais dinheiro. Mas procurou deixar uma porta aberta:

- Quero ser franco: essa estratégia vai custar dinheiro, envolverá risco e vai durar um bom tempo. Mas, por mais que custe esse esforço, sabemos que o custo de um colapso completo do nosso sistema financeiro seria incalculável para as famílias, as empresas, e a nossa nação.

Lindsey Graham, senador republicano, foi um dos mais cáusticos:

- Quer dizer então que você não tem a menor pista? Por que já não pede mais dinheiro de uma vez? Nós aqui já sabemos que isso vai acontecer.

Outro republicano, Richard Shelby, reforçou:

- O que parece é que vocês estão, a essa altura, apenas oferecendo um plano conceitual, sem muitos detalhes para preenchê-lo. Afinal, há mesmo um plano concreto aqui?

Geithner, depois de um longo silêncio e aparentemente sem se perturbar com os ataques, rebateu:

- Os nossos desafios nessa crise financeira são mais complexos do que qualquer outro que o nosso sistema financeiro já enfrentou, exigindo novos programas e uma atenção persistente para resolvê-los.

No fim, o senador democrata Kent Conrad, presidente daquela comissão, revelou que se estima que seriam necessários mais US$500 bilhões para que o plano funcione efetivamente. E pediu paciência:

- As pessoas precisam respirar fundo e aguardar um pouco. Afinal, esse governo só está no poder há duas semanas - ponderou.

Paul Krugman: "A crise está fora de controle"

Em entrevista à estação de TV a cabo CNBC, Geithner argumentou:

- Como vocês sabem, essa é uma situação enormemente complicada. Nós estamos sendo excepcionalmente cuidadosos para que os contribuintes sejam protegidos, para que assumamos riscos que entendemos e para que usemos os recursos de uma forma que proporcione o máximo de benefícios ao fazer os mercados voltarem a funcionar.

Larry Summers, diretor do Conselho Econômico Nacional, da Casa Branca, disse que o governo está preparado para o que der e vier:

- Não se pode julgar políticas por respostas do mercado. Esse é um objetivo errado. Essa é uma forma errada de se medir. O presidente deixou claro que o enfoque de nossas políticas econômicas é no desempenho financeiro e econômico ao longo do tempo, e não nas flutuações do dia-a-dia dos mercados.

O prêmio Nobel de Economia Paul Krugman afirmou ontem que a crise econômica americana está fora de controle e que o remédio mais eficaz será o incentivo aos gastos do governo.

- A crise está fora de controle, e não há motivo para pensar que haja algum mecanismo espontâneo para recuperação - disse Krugman em fórum do Instituto para o Futuro da América, em Washington, argumentando que só o governo poderá estimular a demanda e evitar uma desaceleração maior. - Teremos muito mais retorno para nosso dinheiro dos gastos com infraestrutura do que dos cortes de impostos.

(*) Com Juliana Rangel e agências internacionais