Título: Dúvidas enormes
Autor: Machado, Antônio
Fonte: Correio Braziliense, 25/03/2009, Economia - Brasil S/A, p. 14

Novo plano para a banca nos EUA cheira a aposta, não a um resgate bem calçado e seguro da economia

O governo Barack Obama enfim pôs em ação o plano para aliviar a banca dos EUA de seus papéis tóxicos, sem liquidez, que encruara nas mãos do secretário do Tesouro, Timothy Geithner, e a turma da ciranda correspondeu à expectativa. As bolsas de ações dispararam no mundo. Até a Bovespa, que não tem nada a ver com isso, subiu.

Os tais mercados continuam tão sérios como palhaço de circo, com a diferença de que estes não negam o que são. O preço do petróleo veio atrás. Tudo subiu. E, no entanto, era só espuma, não durou um dia. As dúvidas sobre o novo plano para tirar a banca americana do atoleiro são enormes. O risco de fracasso é grande. E em qualquer cenário, ruim ou bom, Tesouro e Federal Reserve estarão na lona.

O Tesouro, mais endividado que nunca e dependente do financiador, em especial do governo chinês, o maior de todos, que vem lançando alertas sobre o risco de sua grande exposição aos papéis dos EUA, e pôs em debate a criação de um novo padrão monetário no mundo. A mensagem nas entrelinhas aos EUA: a paciência oriental tem limite.

O Fed, sufocado pelas emissões virtuais repassadas à banca sob a forma de depósitos junto ao próprio banco central, truque contábil para mantê-los solventes. Seis meses atrás, segundo John Taylor, o mais conceituado economista no circuito dos bancos centrais, o Fed registrava US$ 8 bilhões desses depósitos, parte da base monetária dos EUA. Até o fim do ano, à luz dos programas de resgate da banca e dos papéis emitidos por empresas não-financeiras, tal conta, diz ele, vai bater em US$ 3,36 trilhões, 420 vezes mais.

É inflação na veia, quando a banca sair do marasmo, se o Fed não subir os juros e tomar de volta a dinheirama antes que ela passe de virtual a real por meio do multiplicador do crédito. Não é por menos que o dólar ensaia outra desvalorização frente ao euro e às principais moedas conversíveis e o ouro continue demandado.

Analistas apressados, mesmo no Brasil, saíram a comemorar o novo plano, que pode até vingar ¿ não pelos méritos, e sim pelo que há de moleza nesta ação coordenada do Tesouro, do Fed e da Corporação Federal de Seguro de Depósitos, FDIC, da sigla em inglês. Ele cede muito em troca de muito pouco de quem aderir ao esquema, anunciado como um PPI, Programa de Investimento Público-Privado.

É outro truque da cúpula financista do governo Obama, que neste aspecto nada mudou em relação a Bush, para evitar o que para muita gente boa, como o Prêmio Nobel Paul Krugman, tornou-se inevitável: o reconhecimento sem sofisma da insolvência dos grandes bancos dos EUA, com ou sem estatização temporária parcial ou total.

A ciranda é cúmplice A tentativa de agora consiste em atribuir valor à massa de papéis ilíquidos estocados pelos bancos, e isso sem presumir perda total, que é o grande problema a ameaçar a estrutura do sistema e, em sua retaguarda, o dólar, cujo colapso arruinaria o mundo. Como fazer? O plano de Geithner prevê que os bancos informem à FDIC o volume de papéis que vai desfazer-se. A FDIC leva-os a leilão, disputado por fundos de investimento privados. Quais? Os mesmos da ciranda financeira nos EUA: fundos de hedge e fundos de ativos, ¿private equities¿, que estão no enredo para o governo não arbitrar quanto vale o que não tem valor. Qual o truque? A banca poder valorar os seus ativos ao preço gerado pelos fundos, destravando o crédito.

Socializando a perda O grosso do dinheiro para a compra dos ativos ilíquidos virá das próprias arcas dos EUA. É uma baba, segundo exemplo divulgado por Geithner. Um pacote de hipotecas com valor de face de US$ 100 sai em leilão, digamos, ao preço de US$ 84. O banco recebe a quantia e abate os ativos podres equivalentes. O fundo comprador empresta da FDIC a juros de Tbills, perto de zero, até 86% do valor empenhado.

Dos 14% restantes, US$ 12, só põe a metade. O resto sairá do Fed. Do bolso só tirou US$ 6. Mais adiante, com a retomada da economia, pode vender os papéis, saldar a dívida e ficar com o lucro.

Desespero de Krugman O novo plano não resolve muitas dúvidas. Ele supõe a solvência da banca como antecedente para voltar a emprestar, embora o problema dos EUA seja dívida demais. A banca também travou porque a taxa de inadimplência é elevada. Mais: seus ativos estão ilíquidos não bem porque o mercado parou. A garantia é que colapsou, como o preço de imóveis. Os EUA afundaram pelo consumo exacerbado e vem esse plano querendo reativá-lo. ¿Isso me enche de desespero¿, treme Krugmam.

Obama parece tatear No fim, a sensação é que o governo Obama continua tateando. Como tem de aparecer no comando da situação, vai tentando. Editorial do Financial Times destaca que o plano debita o problema dos bancos à falta de liquidez. Mas ninguém sabe se isso é devido mais a perdas esperadas no longo prazo que aos riscos do presente. Defensor na equipe de transição de Obama que a retomada da economia viesse de gastos em infraestrutura e novas tecnologias, o economista James Galbraith levanta uma questão delicada: o elevado peso do sistema bancário no produto dos EUA. Ele deve encolher para restaurar sua solvência, o que Geithner nem menciona. Deus salve a América...