Título: Condenados, mas em liberdade
Autor: Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 13/02/2009, O País, p. 3

STF manda soltar cinco presos que cumpriam pena em casos de estupro, estelionato e roubo

OSupremo Tribunal Federal (STF) determinou ontem a imediata libertação de cinco presos que, apesar de terem sido condenados por crimes graves, ainda têm o direito de recorrer da sentença. De uma só vez, foram postos na rua um homem condenado a quatro anos de prisão por tentativa de estupro no Rio de Janeiro; um estelionatário condenado a quatro anos e meio por ter praticado o crime de forma continuada; um ladrão que cumpria pena de sete anos e meio por roubo qualificado; e dois réus sentenciados por apropriação de bens e rendas públicas (um cumpria pena de quatro anos de prisão e o outro, de três).

Os julgamentos foram realizados de forma breve, com base em uma decisão da semana passada, na qual os ministros estabeleceram que o réu tem direito de liberdade até que o caso tramite em julgado - ou seja, até que não haja mais possibilidade de apresentar recurso judicial à pena. As decisões foram tomadas por oito votos a dois. Os ministros Ellen Gracie e Joaquim Barbosa foram os únicos que discordaram da tese e votaram contra a libertação dos presos, por entender que, em alguns casos de crimes graves, o réu não merece recorrer em liberdade.

Dois votos em nome da "coesão do tribunal"

Com exceção do condenado por roubo qualificado, os outros já tinham sido soltos por liminar dada pelo ministro Ricardo Lewandowski. A decisão foi confirmada ontem em plenário. O réu que ainda estava preso teve um pedido de liminar recusado pela relatora, ministra Cármen Lúcia. Ela é contrária à libertação de presos só porque eles podem recorrer da decisão. No entanto, como a maioria dos ministros defendeu a tese, mudou de posição, ontem, "em nome da coesão do tribunal" - embora tenha apresentado uma ressalva com sua opinião. O ministro Menezes Direito, que também tinha votado contra o benefício semana passada, fez a mesma ponderação de Carmem Lúcia ontem e votou a favor.

Segundo Lewandowski, relator de quatro habeas corpus, um preso que ainda está recorrendo judicialmente não pode ser beneficiado com a progressão do regime - como, por exemplo, trocar o regime fechado pelo semiaberto, ou pleitear o direito de estudar ou de trabalhar enquanto estiver cumprindo a pena. Ele citou o exemplo do preso condenado por estelionato. A sentença determinava o regime semiaberto, mas como ele ainda estava recorrendo, era obrigado a cumprir a pena em regime fechado, sem direito a nenhum benefício.

- É uma flagrante ilegalidade. Se ele ficasse preso processualmente, não teria direito a nenhum benefício prisional. Numa prisão processual, ele ficaria preso em regime fechado até o cumprimento de sua pena - disse Lewandowski.

- É uma pena exacerbada - concordou Ayres Britto.

O ministro Marco Aurélio Mello lembrou que o STF já reconhece o direito de presos nessa situação. Esse direito, entretanto, não é automático: o interessado teria de pedir a progressão do regime ao tribunal e esperar o julgamento.

No STJ, ministros mantiveram réu preso

Na sessão de ontem, os ministros não transformaram em súmula vinculante o entendimento sobre presos que ainda podem recorrer da sentença. Se tivessem aprovado a súmula, ações semelhantes que chegassem ao tribunal não precisariam ser examinadas caso a caso; o direito já seria garantido e aprovado automaticamente. Os ministros concordaram em julgar individualmente casos como esses, sempre a favor da libertação, sem a necessidade de levar ao plenário para o conhecimento dos demais ministros. Apenas Marco Aurélio discordou:

- Continuo acreditando que cada qual deve formar convicção. Nós não devemos colocar o julgador numa camisa-de-força, compelindo-o a decidir em determinado sentido. Continuarei decidindo conforme minha ciência e consciência.

Gutemberg Xavier Alves, condenado por tentativa de estupro, teve o habeas corpus negado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em maio de 2007. No despacho, o relator, ministro Felix Fischer, escreveu que uma condenação confirmada por tribunal de segunda instância - no caso, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro - só é passível de recurso extraordinário, "razão pela qual se afigura legítima a execução de pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado da respectiva condenação".

A ministra Laurita Vaz, do STJ, é outra opositora da tese do STF. Ao negar habeas corpus a Orides Zanardi, condenado por apropriar-se de bens e rendas públicas, escreveu: "Este STJ firmou entendimento de que a execução provisória do julgado constitui mero efeito da condenação, não se cogitando de qualquer violação ao princípio do estado presumido de inocência".