Título: Liberdade para réus cria polêmica jurídica
Autor: Franco, Bernardo Mello; Gomes, Wagner
Fonte: O Globo, 14/02/2009, O País, p. 12

Entendimento do Supremo é contestado por delegados e magistrados, mas elogiado pela OAB e por advogados.

BRASÍLIA e SÃO PAULO. A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de libertar réus já condenados por crimes como roubo, estupro e estelionato até que eles não possam mais recorrer da sentença dividiu a opinião de advogados, especialistas e representantes de associações de magistrados e policiais. A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Associação Nacional de Delegados da PF disseram que a soltura dos presos é um estímulo à impunidade e impõe mais um obstáculo para o combate ao crime no país. O jurista Fábio Konder Comparato classificou como lastimável a decisão da Corte.

Mas a decisão dos ministros do STF foi aplaudida pela Ordem dos Advogados do Brasil e por criminalistas como Fernando Castelo Branco, de São Paulo. Para ele, o STF limitou-se a cumprir o estabelecido na Constituição Federal. O secretário-geral da OAB, Alberto Zacharias Toron, saiu em defesa do tribunal:

- A decisão do STF é irretocável. O tribunal seguiu rigorosamente o princípio da presunção de inocência garantido pela Constituição.

Na quinta-feira, o STF mandou soltar mais cinco presos, determinando que o réu deve permanecer em liberdade até que a sentença seja confirmada em caráter definitivo. Para Marcos Leôncio, da Associação Nacional de Delegados da PF, o entendimento da corte pode jogar investigações complexas no lixo:

- A gente prende, o sistema não julga, e o criminoso é posto em liberdade. Parece que estamos enxugando gelo. Se o entendimento predominar, é melhor o STF fazer uma súmula dizendo que no Brasil ninguém mais vai preso. O Judiciário está se distanciando da realidade do país.

Gilmar Mendes diz que STF aplicou a Constituição

Para o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Mozart Valadares, a libertação de réus incentiva a delinquência. Ele disse que a decisão torna regra a situação de réus confessos que permanecem fora da cadeia, como o jornalista Antonio Pimenta Neves, condenado a 18 anos de prisão pelo assassinato da jornalista Sandra Gomide:

- A população brasileira já vive em estado de insegurança. Infelizmente, a decisão do STF gera mais sensação de impunidade no país.

Favorável à decisão, o presidente do STF, Gilmar Mendes, disse que o julgamento está sendo mal interpretado:

- A sociedade é atingida de uma maneira geral pela insegurança, pelo mau funcionamento das políticas públicas, o que não decorre e não é atribuído necessariamente a essa decisão do Supremo. O tribunal está, na verdade, aplicando uma norma da Constituição.

Segundo o jurista Fábio Konder Comparato, uma medida como essa só vem confirmar a necessidade de uma reforma urgente no sistema penal brasileiro, que tem excesso de recursos e tramitações extremamente lentas de processos judiciais.

- É um escárnio. É inadmissível que isso esteja acontecendo. É imoral que os advogados procrastinem o processo dessa maneira. A defesa do réu deve ser feita com dignidade - disse Comparato.

Para Fernando Castello Branco, ainda que a decisão pareça um desconforto à sociedade, o órgão cumpre o seu papel de respeito à Constituição. Segundo ele, a medida é "extremamente legal", pois se o processo ainda não transitou em julgado, não há motivo para manter o réu preso:

- Considerando o princípio da presunção de inocência, não há motivo para manter o réu preso. O STF tem que cumprir a lei. É claro, uma medida como essa coloca o dedo na ferida do sistema e gera desconforto à sociedade, mas a decisão precisa ser cumprida. Se o Judiciário é falho e lento, com promiscuidade de recursos, não é culpa do STF. É o Legislativo que precisa tomar providências.

Luiz Flávio Gomes, doutor em direito penal pela Universidade de Madri, acredita que a decisão vai lotar o Judiciário de recursos. Para Gomes, a medida, porém, foi acertada:

- Todo réu vai querer recorrer, e os recursos vão lotar o Judiciário, mas isso faz parte da ampla defesa de uma pessoa - disse Gomes.