Título: Freio nos despejos
Autor: Scofield Jr., Gilberto
Fonte: O Globo, 14/02/2009, Economia, p. 27

Obama prepara reestruturação do crédito habitacional para reduzir retomada de imóveis nos EUA

Com o pacote de recuperação econômica de US$787 bilhões (um pouco abaixo da proposta inicial de US$789 bilhões) aprovado ontem na Câmara e no Senado dos Estados Unidos, o presidente Barack Obama afirmou que a próxima etapa de seu projeto de recuperação da economia será reestruturar o setor habitacional americano. O objetivo é interromper o festival de execuções hipotecárias que, por causa da crise, deixou 2,3 milhões de famílias sem casa no ano passado - um aumento recorde de 81% em relação a 2007 -, por não conseguirem pagar ou refinanciar seus financiamentos imobiliários.

No Senado, a votação avançou pela noite à espera do democrata Sherrod Brown, que fora a Ohio para o funeral de sua mãe. A fim de garantir os 60 votos necessários à aprovação, a Casa Branca providenciou um avião para levá-lo de volta a Washington. Até sua chegada, o placar era de 59 votos a favor - todos os democratas e mais três republicanos - e 38 contra o pacote.

- A aprovação do plano foi um passo importante - disse Obama, sem se deixar levar pelo otimismo exagerado. - Mas, ainda que o seja, este é apenas o começo do que precisamos fazer para dar uma virada na economia do país.

Segundo a secretária de Habitação, Shaun Donovan, o projeto vai incluir o uso de US$50 bilhões a US$100 bilhões do pacote de ajuda ao sistema financeiro na redução nos juros dos empréstimos existentes e futuros. Além disso, o governo vai anunciar novas regras para a renegociação dos contratos dos mutuários inadimplentes - uma prática hoje quase inexistente nos bancos -, objeto de reclamação de várias famílias. Os devedores americanos acusam os bancos de só aceitarem renegociar os contratos em bases irreais, sem levar em conta a verdadeira condição de pagamento das famílias.

Outro ponto do pacote vai incluir uma reforma no processo de falência pessoal dos americanos, no que se refere à retomada da casa própria de inadimplentes. Ao contrário da legislação brasileira, que não aceita a penhora da casa própria para o abatimento de dívidas, as leis americanas não protegem os maus pagadores e tudo pode ser tomado em caso de inadimplência.

Obama quer convencer o Congresso a mudar a lei e dar aos juízes de falências a capacidade de mudar os financiamentos imobiliários para tentar renegociá-los em novas bases. Ou até mesmo excluir a retomada da casa própria nos processos de falência pessoal. A indústria de hipotecas é contra e adverte que os juros habitacionais são baixos nos EUA justamente graças à possibilidade retomada do imóvel.

Em janeiro, houve 274.399 execuções de hipotecas, alta de 18% frente ao mesmo mês de 2008 e queda de 10% em relação a dezembro, segundo dados do site especializado Realtytrac. A redução foi atribuída a iniciativas de congelamento de processos de hipotecas.

Americanos reduzem gastos com comida

Segundo o secretário de Imprensa da Casa Branca, Robert Gibbs, Obama deverá sancionar o pacote de recuperação econômica nos próximos dias 16 ou 17, enquanto o pacote para o setor de habitação deverá ser anunciado no dia 18, durante uma viagem do presidente ao Arizona.

Apesar da vitória na Câmara - 246 votos a favor e 183 contra -, muitos analistas preveem um desgaste maior nas negociações futuras entre Congresso e Casa Branca por causa do resultado da votação. Nenhum deputado republicano votou a favor das medidas, alegando que muitas representam gastos inúteis, não gerarão empregos e correspondem a uma enorme intervenção do Estado na economia. Além disso, sete democratas votaram contra o plano, apesar de próprio partido, durante as negociações, ter garantido que ele vai gerar 3,5 milhões de empregos.

Ontem, pesquisa do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) da Filadélfia apontou que a economia americana vai encolher 5,2% no primeiro trimestre (taxa anualizada), o pior desempenho desde 1982.

Com a crise, os americanos estão gastando menos dinheiro com comida e restaurantes e optando por genéricos em vez de produtos de marca, segundo o "Wall Street Journal". No quarto trimestre de 2008, o gasto com alimentos caiu em 3,7% ante o trimestre anterior, a maior queda em 62 anos.

oglobo.com.br/economia