Título: Prisões têm boom de suicídios
Autor: Tabak, Flávio; Aggege, Soraya
Fonte: O Globo, 15/02/2009, O País, p. 3

VIOLÊNCIA NOS PRESÍDIOS

Autoridades investigam ação de facções, que mudaram métodos para encobrir assassinatos

A população carcerária brasileira está sofrendo um aparente e suspeito surto de suicídios, que cresceram 40% em três anos, além do aumento do número de mortes por causas naturais, embora a média da faixa etária dos detentos fique entre 18 e 45 anos. Ao mesmo tempo, há uma redução de óbitos provocados por assassinatos e outros crimes comuns às prisões. Levantamento feito a pedido do GLOBO pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), vinculado ao Ministério da Justiça, revela, porém, indícios de uma mudança na tática das facções criminosas que controlam as penitenciárias: os líderes das quadrilhas estão forjando suicídios nas celas de presos que não obedecem à lei do crime, o que acaba distorcendo as estatísticas.

De 2006 a 2008, os suicídios cresceram 40% (de 77 para 108), se somados os dados de todas as cadeias brasileiras. A proporção de suicidas é quase cinco vezes maior dentro das penitenciárias e delegacias do que do lado de fora. Segundo o Datasus, em 2007, pelo menos 8.500 brasileiros teriam cometido suicídio - média de um caso para 22.331 pessoas da população do país. Já nas carceragens, foram 97 suicídios, em 2007, para uma população prisional de 422.373 detentos - um caso para cada 4.354 presos.

As mortes naturais, como as causadas por doenças, também subiram de 586 em 2006 para 819 em 2008 - alta de 39%. Já os assassinatos caíram 21%: de 336 para 264, o que pode indicar a mudança na forma de agir das quadrilhas. Apenas em janeiro deste ano, cinco presos foram encontrados mortos nas penitenciárias de Alagoas, quase sempre degolados e registrados como suicidas. O estado é o que mais registra óbitos em relação à população carcerária: para cada 198 presos, um morreu em 2008. O caso chamou a atenção das autoridades locais, que constataram a falta de clareza dos dados: o Ministério Público acredita que há um esquadrão da morte em Maceió para "limpar a celas". Um dos "suicidas" foi encontrado com um fio de nylon amarrado no pescoço, mas, segundo o Ministério Público, sua morte teria custado R$1 mil; valor pago a agentes penitenciários por presos que queriam um acerto de contas.

Presos de SP preparam coquetel da morte

Em São Paulo, estado com maior população carcerária, presos e seus parentes revelaram ao GLOBO que os métodos da matança mudaram. Um dos que está sendo aplicado nas prisões é o chamado "gatorade": o detento é obrigado a beber uma mistura de água com cocaína até morrer com parada cardiorrespitatória. Também recebem os "kits-suicídio", compostos por um banco e uma "teresa" (pano que serve como corda). Além disso, as "mortes naturais" são fruto, muitas vezes, de omissão de socorro de funcionários ou mesmo falta de condições de higiene, principalmente para mulheres, mais suscetíveis às infecções generalizadas.

O coordenador nacional da Pastoral Carcerária, padre Gunther Zgubic, confirma o teor dos depoimentos dos familiares:

- Os números, embora inéditos, com certeza estão subestimados. Os dados que os estados enviam ao Ministério da Justiça não são confiáveis. Sequer nós, das entidades, conseguimos acesso. As ouvidorias e as corregedorias não são autônomas. Se não têm autonomia, como podem ser confiáveis? É preciso estabelecer a democracia, o acesso da sociedade civil atrás dos muros.

No Ceará, a Secretaria de Justiça e Cidadania, responsável pelo sistema carcerário, jogou a toalha para classificar óbitos. Como há suspeitas sobre os suicídios, eles são incluídos nas mortes decorrentes de crimes, como os assassinatos.

- Os presos disseram que, se houver roubo entre eles e ninguém pagar a conta, matam. O clima tenso motivou a troca da direção e algumas medidas como a ampliação do atendimento médico, odontológico, psicológico e jurídico - disse o secretário de Justiça e Cidadania do Ceará, Marcos Cals.

O sociólogo Michel Misse, diretor do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana da UFRJ, lembra que os presos estão sob custódia dos estados, responsáveis pelo que ocorre dentro de suas prisões.

- Isso mostra omissão vergonhosa do Estado. Esses casos devem ter uma apuração policial e do Ministério Público porque há desinteresse e indiferença em relação à gravidade dos crimes. As pessoas não foram condenadas à morte, mas sim a perder a liberdade - diz Misse.

COLABORAM: Odilon Rios (Alagoas) e Isabela Martin (Ceará)