Título: A racionalidade não explica os dados
Autor: Tabak, Flávio
Fonte: O Globo, 15/02/2009, O País, p. 4

VIOLÊNCIA NOS PRESÍDIOS: Superlotação é um dos principais problemas no país.

Diretor do Departamento Penitenciário Nacional constata falhas nos números.

O diretor do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), Airton Michels, admite que os números e os tipos de óbitos das cadeias brasileiras, informados pelas secretarias estaduais, estão longe da realidade. Embora os dados do próprio departamento, vinculado ao Ministério da Justiça, mostrem um aumento das mortes naturais, Michels diz que existem incoerências porque as secretarias responsáveis pelas cadeias não estão assumindo corretamente o seu papel.

Flávio Tabak

Os dados do Depen mostram um aumento das mortes naturais e suicídios, mas há redução das mortes por motivos criminais. Os números são reais?

AIRTON MICHELS: É possível essa substituição. Tem dados que a lógica e a racionalidade não explicam. A população carcerária é jovem, tende a ter óbitos po homicídio, e muito pouco por causas naturais. Esse realmente é um dado que impressiona. O Depen pressupõe que toda morte dentro do sistema prisional deve ser passada ao conhecimento do Ministério Público. Em Alagoas, por exemplo, o MP atuou está cumprindo o seu dever.

E o caso de São Paulo, que tem uma proporção alta de mortes por causas naturais, mas está longe de ter um sistema penitenciário pacífico?

MICHELS: São Paulo é o estado que tem praticamente um terço dos presos do Brasil e está muito acima da média de mortes naturais, mesmo com o alto índice de detentos. A massa carcerária é jovem. Me parece que o MP de São Paulo tem que atentar para isso. Por outro lado, as mortes criminais desse estado são 10% das naturais. Algumas inconsistências eventualmente podem ocorrer. A racionalidade não explica os dados, não tenho condições de explicar o que realmente está acontecendo em São Paulo. Os números impressionam.

Como governo federal pode combater esses números pouco confiáveis?

MICHELS: As secretarias e outras instituições têm que explicar, assim como o IML. É possível detectar nas autópsias qual foi a causa da morte, como envenenamento. Isso compete aos estados. Nossa tarefa (Depen) é fazer averiguações, vemos quando há inconsistências nos dados. No fim deste mês, o Depen vai fechar todos os números do ano antecedente. Os estados são cobrados pelas improbabilidades. Temos três meses para cobrar deles as incoerências. São Paulo foi um caso que checamos e já nos enviaram os dados novamente. O governo paulista diz que os números estão corretos, mas cada morte dessa vai precisar de um inquérito do Ministério Público.

Mas não existem meios externos para controlar essas irregularidades?

MICHELS: O Depen tem uma ouvidoria que faz um trabalho de campo para ver se nossos recursos estão sendo aplicados. A verdade é a seguinte: os estados têm ouvidorias incipientes, muito frágeis. Não têm uma estrutura. Mas também podemos contar com a comissão de tortura de Secretaria Nacional de Direitos Humanos. Quanto mais representações a sociedade tiver, melhor.

Qual deve ser a prioridade no sistema carcerário?

MICHELS: O problema do sistema carcerário se chama superlotação. Não é possível que presídios onde caibam 300 pessoas tenham 900 pessoas, ou onde fiquem 50 apareçam 200. As condições são medievais, não se cumpre a lei. A sociedade pensa que preso tem que se dar mal. O grave problema do sistema é que o estado não administra. Também não é possível que fiquem dez agentes de plantão para cuidar de 500 presos. Não há preocupação dos agentes em controlar os presos, e sim o cuidado de preservar a própria vida, e com toda a razão. Então os agentes delegam, implicitamente, administradores e gestores, que são os presos, as facções. O governo federal também assume isso, mas estamos longe de resolver a questão da superlotação.