Título: Força empreendedora
Autor: Palocci, Antônio
Fonte: O Globo, 15/02/2009, Opinião, p. 7

Conheci José Alencar no início de 2002, quando ele estava indicado para ser candidato a vice-presidente na chapa de Lula. Ele visitou o comitê de campanha em São Paulo, e Lula pediu para que eu apresentasse a ele os pontos principais do programa de governo que estávamos elaborando. Sabia que José Alencar era um grande empresário mineiro, senador da República, homem honrado.

Ele sentou-se na sala, ao lado de sua esposa, D. Marisa, e ouviu, com respeitosa atenção, as minhas considerações sobre o programa de governo. Fez breves comentários sobre produção e financiamento no Brasil e se mostrou muito simpático e colaborador.

A segunda vez que encontrei José Alencar foi na convenção oficial que homologaria a chapa Lula/Alencar para aquelas eleições. Ao ser anunciado, José Alencar foi aplaudido de pé. Mas um pequeno grupo de jovens ensaiou uma tímida vaia, quase imperceptível. Só vi porque estava em frente àqueles jovens. Mas José Alencar ouviu bem e percebeu que precisava ensinar alguma coisa para aqueles meninos.

Deixou seu discurso escrito de lado e começou a contar a sua dura jornada para construir uma grande empresa. Não comentou as vaias, mas dedicou claramente aquele discurso aos jovens presentes, para que eles entendessem que, antes de uma grande empresa se tornar uma herança, ela precisa ser construída do zero. Alencar deu detalhes de cada passo para a construção desse imenso e moderno parque industrial da Coteminas.

Olhando para os jovens, explicou que, durante muitos anos, dormiu em pensões. Algumas vezes, dormiu nos corredores das pensões, para construir, passo a passo, uma empresa baseada no trabalho honrado e no esforço cotidiano. No final de seu discurso, toda a convenção o aplaudiu de pé. Notei que aqueles jovens que o receberam com indiferença se levantavam também, e o aplaudiam com entusiasmo.

Naquele dia e na rica convivência posterior com José Alencar, aprendi muito sobre o valor das empresas, de suas marcas, de suas plantas industriais, da qualidade de seus trabalhadores, de suas máquinas. Aquilo que os economistas chamam de "ativos tangíveis e intangíveis".

Hoje, no momento mais agudo de uma crise econômica mundial de duração e intensidade ainda indefinidas, as lembranças desses episódios com José Alencar me fazem pensar na importância da preservação de nossas empresas e de seus empregos.

É fato que a reação do Brasil à crise tem sido de grande resistência, com os chamados fundamentos econômicos em situação muito fortalecida: grande volume de reservas, dívida pública em queda acentuada, inflação sob controle, câmbio flexível, crescentes ganhos de produtividade, aumento importante do emprego formal e da renda, melhoria crescente na distribuição da renda, entre outras tantas coisas positivas.

Mas é certo também que a crise trouxe desafios de curto prazo para as empresas, particularmente as exportadoras. O comércio internacional desabou de forma surpreendente nos últimos meses, exigindo ajustes bruscos e emergenciais em empresas de manufaturados e do agronegócio que acumulavam um desempenho espetacular nos últimos anos.

O governo federal e muitos governos estaduais e municipais têm tomado medidas seguidas para amenizar os efeitos sociais da crise. As medidas tributárias e de crédito para o setor automotivo, por exemplo, tiveram um resultado muito positivo. Mas nenhum governo poderá restabelecer os níveis de comércio exterior verificados até meses recentes. O mundo mudou profundamente e será preciso lidar com essa nova realidade.

Acreditar na nossa força empreendedora, no vigor dos nossos trabalhadores e na qualidade de nossas empresas é um bom começo. Trabalhar muito é um bom caminho.

Para quem se sentir desanimado e descrente, vale a pena conhecer algo mais sobre José Alencar, seu esforço para construir um país melhor e sua luta pela vida. Pessoas como ele têm muito a ensinar às novas gerações. A muitos de nós, que não estamos acostumados a enfrentar dificuldades.

ANTÔNIO PALOCCI é deputado federal (PT-SP) e foi ministro da Fazenda.

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