Título: Agora, temos de acelerar os processos criminais
Autor: Galhardo, Ricardo
Fonte: O Globo, 15/02/2009, O País, p. 13
Procuradora da República diz que decisão do STF de libertar presos condenados pode aumentar sensação de impunidade.
A decisão do Supremo Tribunal Federal que dá direito aos réus de responder em liberdade até que não haja mais possibilidade de recursos aumenta a sensação de impunidade, beneficia criminosos que agem contra a administração pública e pode fazer com que alguns crimes jamais sejam punidos. A opinião é da procuradora federal Luiza Frischeisen, chefe da Procuradoria Regional da República em São Paulo.
Ricardo Galhardo
Quais as consequências da decisão do STF?
LUIZA FRISCHEISEN: São todos casos graves, como estupro. Para o promotor, ter que explicar à comunidade o funcionamento da Justiça e dar uma resposta a estes casos de impacto é muito complicado. Seria preciso uma contrapartida que garantisse um processo rápido. Aí, sim. As pessoas têm que sentir que, se o sujeito não ficou preso, pelo menos o processo teve começo, meio e fim, em um prazo razoável. Do jeito que está, leva à sensação de impunidade e descrença no sistema. É não acreditar na Justiça criminal.
Que tipo de criminoso vai se beneficiar desta decisão?
LUIZA: Embora os casos de ontem (quinta-feira) sejam de crimes graves, com uso de violência, o criminoso que mais vai se beneficiar é o que responde ao processo solto. E a maior parte deles cometeu crimes contra o sistema financeiro, contra a administração pública, lavagem de dinheiro, etc. Os que cometeram roubos, assassinatos, estupros, geralmente estão sob prisão preventiva e, portanto, não são beneficiados pela decisão do STF e continuarão presos. Os outros não, porque comparecem a audiências, interrogatórios. Este pressuposto privilegia os crimes que ferem o interesse da sociedade. Não têm violência física, mas causam prejuízos imensos. Imagine uma fraude contra a merenda escolar: este criminoso vai responder solto eternamente.
Por quê?
LUIZA: O que acontecerá é que o processo criminal, por excesso de recursos e habeas corpus, não transitará em julgado nunca. E as pessoas percebem quando os criminosos são soltos.
"A Justiça criminal no país não é eficiente"
A senhora pode citar um caso concreto?
LUIZA: No caso do Tribunal Regional do Trabalho (em que o ex-juiz Nicolau dos Santos, o ex-senador Luiz Estevão e outros são acusados de desviar mais de R$600 milhões), por exemplo, a gente não consegue dar cumprimento às ordens de prisão da segunda instância. Sempre existe o risco de prescrição. As penas são altas, em torno de oito anos, mas, do jeito que as coisas andam, é difícil conseguirmos aplicar estas penas.
Isso incentiva a corrupção?
LUIZA: Não necessariamente. O Supremo tomou a decisão, eu não concordo, mas é legítima. É a regra do jogo. Agora, temos que acelerar os processos criminais. Isso é responsabilidade de todo mundo. Um dos grandes gargalos, hoje, são os tribunais. Na área criminal, estamos sempre correndo contra a prescrição. Os tribunais superiores têm que parar de dar habeas corpus para tudo. Do contrário, nunca mais teremos uma sentença transitada em julgado no Brasil. Para não ser um jogo de faz-de-conta, para não ficarmos brincando de fazer Justiça, quero saber quais serão os atos de gestão para o processo andar rápido. Aí entra o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Como o CNJ pode agir?
LUIZA: Queremos que o CNJ faça uma recomendação dizendo aos juízes que eles devem controlar a prescrição.
O que pode ser feito para agilizar os processos?
LUIZA: Um exemplo é a criação de varas especializadas exclusivas. Hoje, um juiz, ao mesmo tempo que julga um processo criminal, tem que decidir sobre o Fundo de Garantia. Outra coisa é acabar com as férias coletivas em tribunais superiores.
O STF ficou mais flexível em relação aos habeas corpus?
LUIZA: Existe uma súmula que eles mesmos flexionaram. Um dos casos foi o do deputado Paulo Maluf. O STF concedeu a liberdade antes que o caso fosse apreciado pelo STJ.
O ministro Gilmar Mendes argumenta que a decisão vai melhorar a situação no sistema carcerário.
LUIZA: É outro problema, ligado à demora dos processos, principalmente na Justiça estadual, às vezes por excesso de recursos protelatórios da defesa. Nesses casos, o juiz tem que aplicar a litigância de má-fé contra a defesa. É um argumento que não tem nada a ver, pois a decisão não afeta os presos preventivos. É uma argumentação para contrabalançar o impacto na opinião pública. A questão é: o sistema de Justiça criminal do Brasil não é eficiente, e ser eficiente não significa prender todo mundo, significa ter processos com começo, meio e fim, em um prazo razoável. Segundo critérios internacionais, um prazo razoável seria de quatro anos. (Ricardo Galhardo)