Título: Sem batom não há crescimento
Autor: Reis, Ana Cristina
Fonte: O Globo, 15/02/2009, O País, p. 16
Vestida à Dilma, Ana Cristina Reis, editora do Ela, reflete sobre estética e poder.
Eu troco os óculos pelas lentes de contato na hora das fotos, Dilma Rousseff também. Eu uso blazer (quando a temperatura no Rio permite), Dilma Rousseff também. Daí a me parecer com a ministra, sei não. Mas Arnaldo Bloch, editor desta Logo, a Página Móvel, foi veemente: "Escreve sobre ela, vai. Deve ter um monte de homem por aí achando a Dilma atraente. E você se parece com ela, ou melhor, ela queria ser você. É isso: vamos dar uma foto dela e outra sua".
Arnaldo venceu. E se é para fazer uma paródia, vamos lá, sem pudores, mas que fique em minha defesa que a fotografia que fiz não reflete o meu gosto: eu nunca combinaria este colar, uma referência às pérolas da Dilma, com este blazer.
Segundo a Teoria da Semelhança Blochiana, sou a cara da Dilma. Então, deve ter um monte de homem de olho em mim. Mas sou mulher séria, casada e sem poder político. O séria e casada até são atrativos para alguns, mas o poder é o verdadeiro afrodisíaco. Lembram de Zélia Cardoso de Mello? De Sarah Palin? Deve ser a fantasia com a professora primária. Se o traje for um blazer vermelho, meu Deus, segura o coração. O vermelho vivo incita à ação, é a imagem do ardor e da beleza, da força impulsiva e generosa, da saúde, da juventude, da riqueza, do Eros livre e triunfante.
Não é por menos que algumas tribos enfeitam índios e índias jovens com pintura vermelha - acreditam que esta cor estimula a força e desperta o desejo. Não é à toa que o batom vermelho ainda é o mais cobiçado no mercado, apesar de tantos lançamentos criativos (não basta ser uma cor, tem que ser adjetivada: já vi um batom ocre do deserto, um lilás de Tânger, um rosa de Derbyshire). Tudo bem que a chefe da Casa Civil fica melhor com uma cor mais suave nos lábios - toda mulher com mais de 50 anos sabe disso. O vermelho ressalta as reentrâncias do lábio superior, que mesmo a plástica mais eficiente dificilmente consegue encobrir.
Mas daí a vetar o batom, quanta diferença! "Cortaremos o batom de dona Dilma e o meu corte de unha, mas não cortaremos nenhuma obra do PAC", disse Lula, terça-feira passada, no Encontro Nacional de Prefeitos. Há tempos eu não ficava tão indignada com o nosso presidente.
O sou ou não sou da beleza
Francamente, senhor presidente: comparar suas unhas com o batom da Dilma... Tirar o batom de uma mulher equivale a tirar o palanque de um sindicalista, o bisturi de um cirurgião, a panela de um chef. Tirar o batom de Dilma é jogar por terra o esforço de reconstrução de sua imagem: o nariz de menininha, as bochechas rosadas, o queixo empinado, o olhar descerrado. São todos sinônimos de juventude e beleza, quer queiramos ou não. E faz muito tempo. A cena de mulheres beliscando as próprias bochechas, tão recorrente nos filmes sobre os romances de Jane Austen, foi substituída pelo blush: um rosto rosado denota saúde e feminidade. Quem bolou as máscaras de carnaval de Dilma, como a que está no alto da página, exacerbou o conceito.
O queixo empinado... Imagina se Noel Rosa fosse uma mulher. O mundo pode ser tão cruel com as desqueixadas quanto com as que têm olhos de peixe morto em lugar de olhos de gata. O que fazer, então? Ajustar as pálpebras com cirurgia, aumentar as pestanas com rímel ou cílios postiços - os 200 em cada olho, naturais, não bastam - e caprichar na maquiagem. É claro que ficará sempre a dúvida: sou gostada pelo que sou ou por minha aparência? Os prefeitos que faziam fila para cumprimentar Dilma queriam louvar a pré-candidata a presidente pelo PT ou saudar a bela nova mulher? Dilma vem sorrindo mais porque é candidata ou porque está gostando mais de si mesma?
O mundo gira, a lusitana roda, e o apego à boa aparência não esmorece. Cinco mil anos antes de Cristo, no Egito, usavam galena, um minério de chumbo, para realçar a forma das pálpebras, e malaquita, um óxido de cobre, para criar uma tintura verde. Nem os ovos de formiga escaparam: com eles foram feitas as primeiras sombras de que se tem notícia.
Se hoje temos maquiadores (o meu é o Alberto, de um salão no Leblon; o da Dilma, ao menos até antes da cirurgia, era do Metamorphose, em Brasília) que se esmeram para nos fazer parecer naturalmente ótimas, temos que agradecer à moda do menos é mais. Cosmético vem do grego kosmetikos, que significa elaborada decoração.
Curiosamente, na Grécia antiga as mulheres respeitáveis e as jovens casadouras não se maquiavam, recurso usado só pelas cortesãs, chegadas a um kohl nos olhos aqui e um incenso preto nos cílios. Já os romanos eram mais liberais. E criativos. O poeta Ovídio, criador de frases como "A beleza é um bem frágil" e "Não há mulher, por mais feia que seja, que não tenha um traço de beleza", foi quem escreveu o primeiro livro sobre cosméticos, citando sombras pretas (de cinzas de madeiras) e douradas (açafrão).
O poder dos lábios
Os olhos têm sua potência; os lábios têm o poder. Tente disfarçar um esgar de desprezo, um trejeito de censura ou um sorrisinho forçado. É obra para peritos. Sem um batonzinho para distrair as atenções, sei não. Agora longe do seu passado de atuação na luta armada, a artilharia para transformar a rígida superministra em uma Dilma Paz & Amor inclui batom, sim, e sombra, e rímel e blush.
Ela trabalha no Programa de Aceleração do Crescimento sem perder de vista o Programa de Aceleração Cosmética (d"après Agamenon).
O segundo tem a vantagem de ser transparente: o avanço está na cara.
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