Título: O nacionalismo está a um passo da xenofobia. Isso só aprofunda a crise
Autor: Oliveira, Eliane
Fonte: O Globo, 15/02/2009, Economia, p. 33

Chefe da delegação brasileira na OMC denuncia protecionismo sofisticado.

BRASÍLIA. Com um histórico de vitórias na Organização Mundial do Comércio (OMC), casos do algodão (Estados Unidos) e do açúcar (União Europeia), o chefe da delegação brasileira junto ao organismo, embaixador Roberto Azevêdo, faz um alerta: o protecionismo está a um passo da xenofobia. Em sua visão, há um toque de "nacionalismo exacerbado" nos gigantescos pacotes de apoio e de proteção que vêm sendo anunciados pelos países desenvolvidos. O protecionismo, diz, está diferente e mais sofisticado. "A experiência mostra que passamos facilmente da defesa do produto nacional para o ataque a tudo que é estrangeiro: o que vem de fora é ruim, prejudica, rouba empregos", diz.

Eliane Oliveira

O mundo assiste a uma nova onda de protecionismo?

ROBERTO AZEVÊDO: Sim, não há dúvida de que a atual crise deu início a uma onda de protecionismo de proporção global, um protecionismo diferente e mais sofisticado. Nos anos 30 e em ocasiões posteriores, uma reação natural era a elevação das tarifas de importação. Apesar de as medidas de proteção seguirem a mesma lógica, hoje a OMC impõe disciplinas sobre os vários aspectos do comércio internacional. Os países desenvolvidos não têm espaço para elevar legalmente suas tarifas e são obrigados a apelar para métodos mais sofisticados para ajudar suas empresas. Os subsídios tendem a ser a alternativa preferida, com pagamentos diretos, empréstimos generosos, injeções de capital e outros estímulos. Também há espaço para outras barreiras não tarifárias, como medidas de antidumping, restrições sanitárias, barreiras técnicas.

O senhor mencionou que a onda de protecionismo vem com um "nacionalismo exacerbado". Está se referindo aos pacotes de ajuda ao setor produtivo?

AZEVÊDO: O arsenal protecionista se tornou mais sofisticado, em grande medida para se adaptar às novas disciplinas impostas pela OMC. O protecionismo não se resume a aumento de tarifas ou controle de importações. Ele inclui qualquer tipo de intervenção governamental que afete artificialmente o mercado em favor de empresas domésticas. Os pacotes de estímulo e os vultosos empréstimos governamentais são também medidas de proteção. Eles melhoram condições de competição das empresas beneficiadas, tanto no mercado doméstico quanto em terceiros mercados. Quanto mais forte o Tesouro, maior será o impacto comercial.

Esse nacionalismo exacerbado pode se expandir para outras áreas?

AZEVÊDO: O nacionalismo exacerbado não está apenas nas cláusulas como o "Compre América" (que dá prioridade a compra de produtos americanos) dos "pacotes de ajuda". O arsenal protecionista vem acompanhado de uma ideologia de assistência aos produtores domésticos. Um nacionalismo que pode ser facilmente desvirtuado. A experiência mostra que passamos facilmente da defesa do produto nacional para o ataque a tudo que é estrangeiro: o que vem de fora é ruim, prejudica, rouba empregos. Isso vale não apenas para produtos, mas também para pessoas, como trabalhadores estrangeiros. O nacionalismo está a um passo da xenofobia. A lógica da cooperação e dos ganhos recíprocos é revertida para uma lógica de confrontação e de soma zero, que apenas alimenta e aprofunda a crise.

O governo brasileiro não corre o risco de ser chamado de protecionista com as medidas para incentivar a produção?

AZEVÊDO: Temos ampla experiência com o sistema multilateral de comércio. Conhecemos bem as disciplinas da OMC e, sobretudo, somos um dos membros da OMC com maior perícia no mecanismo de solução de controvérsias. Estamos plenamente qualificados para implementar medidas e programas que estejam em linha com as regras do comércio internacional. Também estaremos prontos para, se necessário, defendê-las. Além disso, como dispomos de recursos limitados se comparados aos países mais ricos, nossas medidas de estímulo tendem a ter impacto muito reduzido no comércio internacional, ainda que possam ser expressivas para nossos produtores. À luz dos gigantescos pacotes de apoio e de proteção que vêm sendo anunciados, seria até risível ouvir críticas de nossos parceiros comerciais. O Brasil tem evitado adotar medidas protecionistas e, em reunião recente da OMC, essa atitude foi explícita e publicamente elogiada pelo diretor-geral, Pascal Lamy.