Título: Na América do Sul, protecionismo mora ao lado
Autor: Oliveira, Eliane
Fonte: O Globo, 15/02/2009, Economia, p. 33

Governo e especialistas temem que país seja alvo de novas barreiras, atingindo exportações que somam US$43 bi.

BRASÍLIA. O risco de um efeito-dominó na América do Sul, detonado pelas medidas protecionistas adotadas por Equador e Argentina, é cada vez mais concreto, na visão de governo e especialistas em comércio exterior. Por essa razão, a ordem na Esplanada dos Ministérios é reforçar os mecanismos de consultas bilaterais e encontrar formas de aumentar importações dos vizinhos, para reduzir seus déficits na balança comercial com o Brasil. Afinal, estão em jogo nada menos do que US$43,435 bilhões, valor correspondente ao total das exportações brasileiras para as nove principais economias sul-americanas em 2008, ou 22% das vendas globais realizadas no ano passado.

O vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, acredita que a adoção de barreiras protecionistas pelos demais vizinhos é questão de tempo. Segundo ele, Chile, Peru, Colômbia e Bolívia são grandes dependentes de commodities minerais, como petróleo, e metálicas, como cobre e níquel. Por isso, vêm perdendo receitas.

- Se o Brasil tem dificuldades de acesso a linhas internacionais, imagine os países menores - comentou.

Venezuela chegou a atrasar pagamento de importações

O presidente do Conselho de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), embaixador Rubens Barbosa, está convicto de que o protecionismo comercial vai se espalhar. Na sua opinião, as situações de Argentina e Venezuela são as mais críticas.

Os argentinos, não bastasse a escassez de crédito externo, enfrentam uma seca que quebrou a safra de trigo, um de seus principais produtos de exportação. A Venezuela tem problemas com a queda do preço do petróleo e, segundo exportadores, o governo venezuelano chegou ao ponto de atrasar o pagamento de importações do país.

- Chile e Peru estão em uma situação melhor, mas talvez tenham de tomar medidas restritivas. É mais correto prever barreiras protecionistas nos casos da Bolívia, do Paraguai e do Uruguai - disse Barbosa.

A exigência de licenças de importação não-automáticas na Argentina é uma "amostra de deterioração da economia do país", diz Barbosa, e afeta setores importantes no Brasil, como siderúrgico, eletrodomésticos, calçados e têxtil. Já o Equador adotou medidas restritivas em geral, subindo tarifas de importação e excluindo o Brasil de acordos de preferência.

Aumento das compras e uso do BNDES estão em estudo

Na avaliação do governo, o Brasil precisa, antes de mais nada, se livrar da ameaça de ser visto como o grande vilão da região - o que abalaria sua posição de líder entre os sul-americanos - por causa de seus megassuperávits comerciais com todos os vizinhos, à exceção da Bolívia. Em 2008, a balança comercial brasileira foi superavitária em US$1,3 bilhão com o Peru, Venezuela (US$5,6 bilhões), Colômbia (US$1,4 bilhão) e Argentina (US$4,3 bilhões), entre outros exemplos.

- O Brasil está há bastante tempo preocupado com os superávits com os vizinhos. Em época de crise, essa preocupação aumenta. Por isso, estudamos medidas para garantir um equilíbrio maior no intercâmbio comercial - disse o secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Welber Barral.

Por isso, a ordem é estimular as economias vizinhas. A intensificação do diálogo começou na última quinta-feira, durante uma visita ao Brasil do chanceler uruguaio, Gonzalo Fernández. Ele deixou o Brasil com a promessa de que receberá mais energia elétrica e que seu país entrará no sistema de comércio em moedas locais, ou seja, reais ou pesos, em vez de dólares, como já ocorre no intercâmbio do Brasil com a Argentina.

Esta semana estão agendadas reuniões com Argentina e Colômbia. O objetivo é instalar um canal definitivo de comunicação entre o Brasil e seus vizinhos, para prevenir novos dissabores.

Medidas para aumentar as importações dos países da América do Sul e novos mecanismos de financiamento, além do BNDES - como o uso das reservas cambiais para financiar exportações dos vizinhos - estão sendo discutidas.

Ajuda terá limites e país poderá recorrer à OMC

Técnicos do governo que estão trabalhando no assunto, porém, frisaram que a postura conciliadora do Brasil tem limite e, em caso de insistência na imposição de obstáculos às exportações brasileiras, o governo vai reagir, sempre buscando os organismos arbitrais, com destaque para a Organização Mundial do Comércio (OMC).

Para o economista José Augusto Arantes Savasini, a situação tende a piorar. A crise financeira internacional, a seu ver, vai permanecer até, no mínimo, 2010 e o contágio de medidas protecionistas em outros países da América do Sul é uma questão de tempo:

- Essa crise vai durar e, com ela, surge uma nova onda de protecionismo. Todos os países estão se protegendo. O Brasil não será o único país aberto.

- O mundo todo está protecionista. Por que não nossos vizinhos? - reforçou o economista Fábio Silveira, da RC Consultores.