Título: Crédito que dói no bolso e limitado
Autor: Rosa, Bruno
Fonte: O Globo, 16/02/2009, Economia, p. 14

Brasileiro busca empréstimo mais caro e bancos restringem em até 40% recursos com medo de calote.

Bruno Rosa

Em tempos de crédito escasso em meio à crise econômica global, os brasileiros têm recorrido como nunca às linhas de empréstimos pré-aprovadas, que são mais caras. As concessões no cheque especial, no crédito pessoal e no cartão de crédito tiveram alta de até 12% nos dois últimos meses do ano passado. Em relação ao fim de 2007, o avanço chega a 42%, de acordo com dados do Banco Central (BC). E o ritmo continua acelerado. O volume de transações com cartões de crédito, por exemplo, tiveram alta de 8% em janeiro em relação a dezembro, alcançando R$13,5 bilhões, segundo a Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac). Economistas explicam que os consumidores têm aderido a modalidades com juros mais altos, em detrimento de empréstimos pessoais, de carros e imóveis, por exemplo, não só pela falta de crédito, mas por não necessitarem de avaliação prévia do banco. Ao mesmo tempo, as instituições financeiras, preocupadas com a inadimplência, vêm reduzindo - sem alarde - os limites de seus produtos. Ou seja, quem quiser pegar empréstimo no seu cheque especial tem menos dinheiro à disposição.

Segundo um executivo do setor financeiro, a restrição do limite para o cheque especial e o cartão de crédito acontece porque a inadimplência nessas linhas já está aumentando. A redução dos recursos disponíveis para o cliente tem sido de 20% a 40%. Outra explicação para a queda é que as instituições, continua a fonte, têm de alocar os recursos também em outras modalidades. Dados do BC comprovam que o brasileiro tem ficado mais tempo com a dívida nas mãos. No crédito pessoal, subiu de 460 dias para 547 dias entre dezembro de 2007 e o fim de 2008. No cheque especial, a média passou de 20 para 21 dias; e no cartão de crédito, de 30 para 33 dias.

Em janeiro, a concessão dessas linhas continuou em ritmo acelerado, mas em velocidade pouco menor devido às restrições impostas pelos bancos, que estão mais cautelosos, avalia a Anefac. A associação destaca, por exemplo, que a alta de 8% das negociações com cartões de crédito em janeiro foi menor do que o avanço de 12% registrado em dezembro. No cheque especial, o aumento projetado de 7% mês passado fez a modalidade atingir cerca de R$ 23 bilhões. Em dezembro, o crescimento fora de 9%.

- O avanço de janeiro permaneceu em ritmo acelerado, mas menor. Há uma forte demanda por crédito hoje e, como há facilidade (linhas pré-aprovadas), os brasileiros não pensam duas vezes antes de usá-lo. Com medo da inadimplência, muitos bancos têm reduzido o limite pois estão com medo da inadimplência - disse Miguel Oliveira, vice-presidente da Anefac.

Guilherme Ralischa, analista financeiro do Instituto de Ensino e Pesquisa em Administração (Inepad), ressalta que a facilidade das linhas impulsiona as concessões mesmo em momentos de incerteza:

- É claro que o uso dessas linhas, que são emergenciais, exigem cuidados, pois os juros são muito altos. E, reduzir esses limites é uma forma que os bancos encontram de proteção contra o calote, reduzindo riscos.

Segundo a Anefac, o cartão de crédito tem juros de 233,56% ao ano. Entre dezembro de 2008 e o mesmo mês do ano anterior, a concessão aumentou 42,36%. No cheque especial, cujo juro ao ano é de 149,31%, a alta foi de 20% em 12 meses. O Grupo Santander Brasil, que reúne Santander e Real, informou que as linhas registraram alta de 30% no volume de liberação de recursos em 2008. Além disso, a companhia estima expansão de 15% este ano. Na Caixa, de julho a dezembro do ano passado, foram comercializados mais de 700 mil cartões de crédito. No segundo semestre de 2008, a média de limite concedido na linha teve alta de 6,04% em relação ao mesmo período do ano anterior.

Reservas contra perdas são elevadas

Luis Miguel Santacreu, analista da Austin Rating, lembra que bancos como Bradesco, Caixa e Banco do Brasil estão elevando a provisão contra calote. Juntas, as três instituições já reservaram quase R$3 bilhões:

- É claro que em um momento como este, todos estão revendo os modelos de suas políticas de crédito. Há uma maior prudência hoje. Os bancos têm de diluir o volume disponível de crédito para todos, entre pessoas físicas e jurídicas.

De acordo com especialistas em finanças pessoais, a inadimplência aumenta neste início de ano devido aos gastos sazonais, como impostos e despesas com material escolar, para quem tem filhos. Eles ressaltam que, além de quitar dúvidas, muitos tomam crédito para consumir bens diversos e gastos sazonais, como viagens de férias e carnaval. É o caso do comerciante Domingos do Couto, de 59 anos. Ele estava contando com o limite de R$2 mil de seu cheque especial este mês. Mas, foi surpreendido, ao tirar um extrato, ao ver seu limite 30% menor:

- O banco não conseguiu me explicar direito. Um dia, disseram que era porque eu não usava todo o limite; no outro, falaram que, devido à crise, havia tido redução em algumas faixas de renda e por tipo de ocupação.

O advogado Fernando Amaral, de 35 anos, viu o crédito pré-aprovado de seu cartão de crédito passar de R$3 mil para R$2.700 entre agosto do ano passado e a fatura de fevereiro:

- Sempre guardo todas as faturas. Nelas, vêm informado o meu limite de crédito. É um absurdo esse tipo de redução. Ainda mais sem avisar.

Santacreu lembra que, se antes, os consumidores estavam acostumados a verem seus limites aumentarem sem parar; agora, terão de saber conviver com o movimento oposto.

Oficialmente, alguns bancos negam as reduções. BB, Caixa, Bradesco e Santander não comentam casos isolados. Já o HSBC disse que as recentes modificações do mercado financeiro internacional tornaram mais explícita a necessidade de adequar os limites de crédito dos correntistas. Por isso, decidiu rever os limites de crédito concedidos a clientes e alguns tiveram as cotas reduzidas.

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