Título: Montadoras de pires na mão
Autor: Scofield Jr., Gilberto; Frisch, Felipe
Fonte: O Globo, 18/02/2009, Economia, p. 23

Empresas pedem mais US$21,6 bi. GM vai demitir 47 mil e fechar fábricas. Chrysler promete carro elétrico

Àbeira da insolvência, as montadoras General Motors (GM) e Chrysler apresentaram ontem seus planos de reestruturação ao governo dos Estados Unidos, anunciando a demissão de 50 mil empregados e pedindo US$21,6 bilhões - US$16,6 bilhões para a GM e US$5 bilhões para a Chrysler - em novos financiamentos, que se somam aos US$17,4 bilhões concedidos ano passado por George W.Bush, no total de US$39 bilhões em ajuda com dinheiro público. As conversas com a central sindical dos metalúrgicos do setor, a United Auto Workers (UAW), seguem em ambas as montadoras, com promessas de corte de benefícios, sobretudo nas aposentadorias.

No caso da GM, cuja situação financeira é a pior entre as Três Grandes (GM, Chrysler e Ford), o plano é demitir 47 mil dos 244 mil empregados em todo o mundo, fechar cinco fábricas nos EUA e tirar de linha modelos menos rentáveis. A empresa afirmou ter evitado um pedido de concordata especial porque os custos para os cofres públicos seriam ainda maiores: US$100 bilhões - cifra da qual discordam muitos especialistas do setor automobilístico.

Citando um "declínio sem precedentes do setor", a Chrysler confirmou suas negociações com a italiana Fiat, anunciou a retirada do mercado de três modelos não rentáveis, a redução de US$700 milhões em gastos fixos e comprometeu-se a lançar carro elétrico até 2010, uma das exigências ambientais do presidente Barack Obama para conceder dinheiro novo.

- Nós compreendemos totalmente a necessidade de nos adaptarmos a um mercado de vendas reduzidas e às preocupações do país sobre segurança energética e aquecimento global - afirmou o presidente da Chrysler, Robert Nardelli.

A expectativa com os planos das montadoras, só divulgados no início da noite, e o fantasma da recessão global derrubaram os mercados de todo o mundo ontem, o mesmo dia em que Obama sancionou o pacote de estímulo de US$787 bilhões, anunciando-o como "o começo do fim da crise".

O mercado, no entanto, reagiu com mau humor. Em Nova York, o Dow Jones fechou em queda de 3,80%, enquanto Nasdaq e S&P recuaram 4,15% e 4,56%, respectivamente. A Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) caiu 3,30% em apenas 12 minutos após a abertura, e seu principal índice, o Ibovespa, fechou em queda de 4,76%, voltando aos 39.846 pontos. O temor de agravamento da situação dos bancos na Europa derrubou as bolsas na região: Frankfurt recuou 3,44% e Paris caiu 2,94%. No Brasil, o dólar subiu 2,15%, a R$2,328.

As maiores quedas do Ibovespa foram do setor de matérias-primas, dependente da indústria automobilística. Os papéis da Vale caíram 6,57% e os da Petrobras, 5,66%, acompanhados pelos das siderúrgicas. Apenas três ações do índice subiram: Light, Celesc e Brasil Telecom Participações, consideradas de setores mais protegidos da crise. Os papéis da JBS, controladora do Friboi, caíram 7%, com a expectativa das corretoras Bradesco e Brascan de um resultado fraco em 2008, a ser divulgado amanhã.

Com os temores sobre a desaceleração global, os preços do petróleo chegaram a cair 8% ontem. Em Nova York, o barril do tipo leve americano fechou em queda de 6,9%, a US$34,93. Este ano, a cotação acumula recuo de 22%. O barril do tipo Brent, negociado em Londres, caiu 5,2%, a US$41,03. O ministro do Petróleo iraquiano, Hussain al-Shahristani, disse ontem que a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) pode anunciar outro corte na produção em sua próxima reunião, em 15 de março.

A Oi informou ontem que a 3ª Vara de Execuções Fiscais do Rio de Janeiro reconsiderou sua decisão e autorizou o pagamento de dividendos de R$1,196 bilhão. O pagamento começa hoje, segundo a empresa.

Já o Bradesco anunciou uma operação que causou polêmica: o grupamento de suas ações, de 50 em uma, e o simultâneo desdobramento (a divisão), na mesma proporção. A proposta será votada na assembléia de 10 de março. A medida foi vista como uma forma de o banco retirar da base acionistas com menos de 50 ações. Para continuar com papéis, eles terão de completar o lote de 50 ações, comprando-as em mercado, ou vender as que possuem. A CVM disse estar acompanhando a operação.

Em discurso no Museu da Natureza e da Ciência, em Denver, no estado do Colorado - onde há várias empresas de energia renovável -, Obama afirmou que as medidas vão criar 3,5 milhões de empregos e levar à modernização do país. Mas, talvez diante do sombrio cenário dos mercados e da situação de quase insolvência dos grandes bancos e montadoras, Obama evitou o tom ufanista e deixou claro que as medidas estão apenas começando. Haverá planos específicos para a habitação (a ser anunciado hoje), para o sistema bancário e de crédito e até para reduzir o déficit público:

- Precisaremos estabilizar, consertar e reformar nosso sistema bancário e fazer com que o crédito volte para famílias e empresas. Precisamos reduzir o aumento da retomada de casas pelos bancos e conter a queda nos preços dos imóveis, além de ajudar os mutuários a permanecerem em suas casas. Enquanto precisamos fazer o possível a curto prazo para mover nossa economia de novo, temos de reconhecer que herdamos um déficit de trilhões de dólares e precisamos recomeçar a restaurar a disciplina fiscal - disse Obama, que usou dez canetas na cerimônia de assinatura do pacote de US$787 bilhões.

Os investidores temem que o plano, equivalente a 5% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos) americano, não conseguirá conter a desaceleração da economia e o aumento das demissões - estima-se que sejam 20 mil por dia. Os republicanos que criticam o pacote afirmam que os gastos são exagerados para a contrapartida da criação de empregos e que só se verá algum resultado em 2010.

- O Tesouro tem ainda um enorme trabalho a fazer, que é destravar o crédito, sanear os bancos, retomar a demanda por empréstimos e reduzir o ritmo de retomada das casas pelas instituições financeiras, o que está na origem da crise atual - diz James Angel, professor de finanças da Universidade de Georgetown.

Mal recebido pelos políticos republicanos do Capitólio (só três senadores do partido votaram a favor), o pacote de recuperação, no entanto, vem sendo aplaudido com fervor pelos governadores, inclusive republicanos, que veem nos recursos a salvação para seus desequilibrados orçamentos. Fazem parte do grupo governadores republicanos como Arnold Schwarzenegger (Califórnia), Charlie Crist (Flórida) e Jim Douglas (Vermont).

O prêmio Nobel de Economia Paul Krugman aplaudiu a assinatura do pacote, afirmando que este reduzirá as demissões. Outros não mostraram tanto entusiasmo:

- Há uma sensação crescente de que, não importa quem está no comando ou quanto dinheiro será gasto, será um longo e doloroso processo para devolver a economia americana à sua normalidade - afirmou Michael Shinnick, administrador de recursos do fundo Wasatch à agência de notícias Bloomberg.

(*) Correspondente, com agências internacionais