Título: Baque no emprego
Autor: Novo, Aguinaldo; Tavares, Mônica
Fonte: O Globo, 20/02/2009, Economia, p. 19

Embraer alega "crise sem precedentes" e demite 4,2 mil. País perde 101 mil vagas em janeiro.

Omercado de trabalho brasileiro foi sacudido ontem por cortes recordes de vagas. Alegando que o enxugamento é necessário para enfrentar uma "crise sem precedentes", a Embraer informou a demissão de mais de 4.200 funcionários, o correspondente a 20% de sua força de trabalho, e a redução das estimativas de entrega de aviões e de investimentos este ano. Foi o maior corte anunciado por uma empresa brasileira desde o agravamento da crise, em setembro de 2008. O Ministério do Trabalho, por sua vez, informou a perda de 101.748 vagas com carteira assinada em janeiro de 2009, o pior resultado em uma década para o mês.

Terceira maior fabricante de jatos comerciais do mundo, a Embraer disse que a crise já provocou o adiamento ou cancelamento de novos pedidos e uma redução em 30% do ritmo na linha de produção. Em 2008, entre demissões e contratações, a empresa já havia fechado quase 700 postos. Os cortes anunciados ontem vão atingir os funcionários da Embraer no Brasil e no exterior. A empresa tem unidades em França, Cingapura e EUA. Só em São José dos Campos (SP), sede da companhia, são mais de 13 mil empregos diretos. Nem a equipe de engenheiros, linha de ponta da companhia, ficará livre das demissões. A estimativa de entrega de jatos este ano foi revista de 270 para 242, o equivalente a uma receita de US$5,5 bilhões. Já o volume de investimentos caiu de US$450 milhões para US$350 milhões.

Os funcionários começaram a ser comunicados ontem mesmo. Na nota, o presidente da Embraer, Frederico Curado, disse que a recuperação do mercado interno não garante o sucesso da empresa, pois mais de 90% da receita vêm de exportações. O principal mercado é a América do Norte, com 45% dos negócios até o terceiro trimestre de 2008. Mas, segundo ele, esses mercados "estão em franca recessão", e as regiões que cresciam em importância (como Oriente Médio, Ásia e América Latina) "também vêm sofrendo fortes desacelerações".

Lula vai cobrar explicações

A Embraer viu sua carteira de pedidos cair 3,2% no último trimestre de 2008, de US$21,6 bilhões em setembro para US$20,9 bilhões em dezembro. Entre os pedidos, estão os feitos pela Azul, do americano David Neeleman, que anunciou, na contramão, investimento de US$800 milhões este ano.

A notícia da demissão em massa irritou o presidente Lula, que a considerou o fato isolado mais grave desde que os reflexos da crise internacional alcançaram o Brasil. Ele vai chamar o presidente da Embraer, para cobrar explicações. Ontem à noite, Lula se reuniu com o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Artur Henrique, o membro da executiva da Central, José Lopes Feijoó, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e o ministro de Comunicação Social, Franklin Martins para tratar do problema. Conforme relato de Feijoó, Lula ficou "indignado" com as demissões.

- O presidente ficou absolutamente indignado com isso porque considera que a empresa se capitalizou com recursos públicos e não avisou que tomaria uma medida dessas - relatou Artur Henrique, lembrando que a Embraer tomou empréstimo do BNDES, que tem em seu capital 40% de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

Na conversa com sindicalistas, Lula telefonou para o ministro da Fazenda, Guido Mantega, para saber se a Embraer o procurara para conversar. O ministro lhe informou que uma reunião estava agendada para ontem, mas ninguém da empresa compareceu.

- Mostramos para o presidente que a Embraer no ano passado entregou 205 aeronaves, quando a meta era vender 194. Há empresários que estão se valendo da crise para demitir - acusou o presidente da CUT.

Mais cedo, em encontro com governadores em Brasília, para discutir o pacote habitacional, Lula disse que tentará criar uma demanda interna maior para absorver aeronaves.

O Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos prometeu iniciar uma "forte ofensiva" contra os cortes. Ontem o presidente da entidade, Adilson dos Santos, teve reunião com Eduardo Cury, prefeito de São José - cidade que já sofria com o corte de 744 empregados determinado no fim de 2008 pela GM. Nas suas contas, desde a privatização da Embraer, em 1994, ela já teria recebido US$7 bilhões em financiamentos com recursos públicos. Ele disse ainda que tentou negociar com a companhia, sem sucesso. O sindicato propõe reduzir a jornada semanal dos empregados (43,5 horas) sem corte de salário. A Embraer tem controle pulverizado, mas tem entre os principais acionistas a Previ (fundo de pensão do Banco do Brasil), a BNDESPar e o grupo Bozano.

Rio foi 3º estado que mais demitiu

Também ontem, o Ministério do Trabalho informou um corte de 101.748 vagas com carteira assinada em janeiro, na esteira da crise internacional. Em igual mês de 2008, foram abertos 142,9 mil postos. O último número negativo havia sido a dispensa de 41.211 trabalhadores em 1999. O Estado do Rio foi o terceiro a demitir mais (16.538), atrás de São Paulo (38.676) e Minas Gerais (26.800). Os dados constam do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), que mostra que as demissões estão mais fortes no interior - saldo negativo de quase 54 mil vagas. Nas nove regiões metropolitanas pesquisadas, foram liquidados 42.935 empregos com carteira.

No país, foram admitidos em janeiro deste ano 1.216.550 trabalhadores e demitidos 1.318.298. Enquanto indústria, comércio e agropecuária dispensaram mais do que admitiram, a construção civil apresentou saldo positivo de 11.324 contratações após quatro meses no vermelho. O setor de serviços também contratou mais.

- O resultado do mercado de trabalho não é bom para o país, mas há uma demonstração inequívoca de melhora. Nenhum país está tendo o nível de contratação do Brasil - afirmou o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, que deve reavaliar a meta de expansão de 1,5 milhão de vagas para 2009.

Em 19 anos de carteira assinada, pela primeira vez, José Figueiredo, 37 anos, está desempregado. Foi demitido, no início do mês, de uma petroquímica do Rio, com outros 80:

- Disseram que as demissão foram causadas pela crise. Não acredito.

COLABORARAM Gerson Camarotti e Luciana Casemiro