Título: Visão do horizonte
Autor: Leitão, Míriam
Fonte: O Globo, 26/02/2009, Economia, p. 22

Um discurso pode ser uma coleção de palavras ou a demarcação de um caminho. O que o Obama fez no Congresso foi do segundo tipo. As áreas que escolheu como prioridade - energia, sistema de saúde e educação - se conectam com outras. Ele tem um pensamento sistêmico, sabe para onde vai. O problema é a crise bancária: ontem, de novo, ficou claro que o governo está confuso.

Para atingir seus objetivos nas áreas escolhidas, o presidente Barack Obama quer investimentos em ciência e tecnologia. Portanto, a ciência é uma espécie de quarta área central. Na energia, ele fala sempre a mesma coisa, mas deu um passo adiante: quer mais energia limpa, mas, para que essas novas fontes não sejam apenas alternativas e marginais na matriz energética, ele propôs desta vez, ao Congresso, a adoção do sistema que limita a emissão de carbono e põe um preço nessa emissão. "Para transformar a economia, proteger nossa segurança e salvar o planeta, a energia limpa tem que ser lucrativa." Ele vai dobrar a oferta de fontes renováveis, e cobrar de quem usa energia poluente. Por isso, propõe o sistema de limites e preço para a emissão de carbono.

A visão de segurança nacional dos Estados Unidos se desloca das guerras para uma nova política energética. As guerras para garantir o fornecimento de petróleo deixam de ser o centro, que passa a ser ocupado pelo esforço científico e tecnológico em novas fontes de energia. Cortes e gastos revelam as escolhas do país. Obama avisou que, no Orçamento, vai cortar programas sem licitação com empresas que prestam serviços na guerra. Esses contratos foram o centro de desperdício (e corrupção) durante o governo passado. Vai cortar investimentos no que ele chamou de "armas da era da Guerra Fria".

O discurso nacionalista está lá, lembrando o protecionismo, mas até nisso há novidade. Ele criticou o fato de os EUA terem inventado a energia solar, que agora é dominada por Japão e Alemanha; ter carros híbridos que usam bateria da Coreia; ter desenvolvido energia para o século XXI, mas a China é que tem "o maior programa de eficiência energética". E repetiu a ideia de não exportar empregos, que é o velho protecionismo, mas avisou que entre os cortes de gastos está o subsídio agrícola, coração do velho protecionismo.

Na educação, ele deu números que assustam. Disse que em três quartos dos setores onde mais crescem as ocupações exige-se educação superior, mas os EUA têm o maior índice de evasão do ensino médio entre os países industrializados. E muitos que entram na faculdade não a concluem. "Esse é o caminho do declínio." Ao mesmo tempo, ele anunciou que vai cortar gastos com programas educacionais desnecessários, e não falou em pôr mais dinheiro na educação, mas em "reforma no ensino", e convocou todos os americanos a estudar um pouco mais. "A educação não é o rumo para a oportunidade, é o pré-requisito."

Na educação, como na sempre prometida reforma do sistema de saúde, ele propõe, de novo, alto investimento em ciência e saltos tecnológicos. A trilha é coerente: em todos os campos ele quer que os Estados Unidos avancem com mais ciência, mais conhecimento.

No gasto público do programa de estímulo, Barack Obama também mostra uma visão sistêmica: ele disse que os investimentos que vão criar empregos serão "nas reformas das estradas e pontes, construção de turbinas eólicas ou painéis solares, instalando banda larga e expandindo o transporte de massa".

Para quem entendeu que ele está estatizando a economia, ele avisou: "90% dos empregos criados serão por empresas privadas", e disse que vai aumentar gastos em vários setores "não porque eu acredite em governo maior; eu não acredito". Ele disse que a falha ao agir ampliou o déficit, e deixar de agir agora iria continuar ampliando. Citou momentos da história em que a intervenção do Estado não foi para "suplantar a empresa privada, mas para catalisar um processo". Sua visão de Estado não é a volta ao estatismo, é, na verdade, uma correção de rumo para manter a economia de mercado. Foi por isso que ele propôs e pediu o apoio do Congresso a uma ampla reforma regulatória no país, e ontem mesmo começou a discutir o novo marco regulatório.

O discurso de Obama tem outros méritos. Primeiro, o hábito de falar ao Congresso é um bom ritual. Ao discursar, ele não negou a dimensão da crise, admitiu que ela tem invadido o cotidiano das pessoas, não quis esconder os fatos com otimismo vazio, que nega as más notícias. Ele as admite, mas não se rende: "O peso desta crise não vai determinar o destino desta nação", disse ele. Por não negar a crise, o apelo "vamos reconstruir a economia" não parece mais um discurso de político.

O problema: todo o projeto dele depende da remoção de uma pedra no meio do caminho, que é a enorme crise bancária. Ontem, em depoimentos no Congresso, o presidente do Fed, Bem Bernanke, tentou, de novo, explicar o caminho. Barack Obama se reuniu com o secretário do Tesouro, Timothy Geithner, para também detalhar o plano. O grande projeto, Obama parece ter. Ele patina é na remoção do obstáculo de curto prazo.