Título: Nas cadeias, uma fila de 191 mil
Autor: Otavio, Chico; Ribeiro, Efrém
Fonte: O Globo, 01/03/2009, O País, p. 3

Presos provisórios poderão reivindicar voltar às ruas, mas STF diz que eles não têm direito.

OBrasil tem hoje 191 mil presos provisórios, que aguardam atrás das grades uma decisão judicial definitiva para os seus casos. O grupo, heterogêneo, tem desde réus presos em flagrante a já condenados em primeiro e segundo graus, que recorreram da sentença. Com o recente entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), de que ninguém deve ficar preso até o trânsito em julgado da condenação, advogados e defensores públicos ganharam um forte argumento para convencer a Justiça de que, enquanto valer o princípio da presunção da inocência, o lugar desta parcela da população carcerária (43% do total) é a rua. Para o STF, porém, a decisão só se aplica a quem já tem sentença de primeira ou segunda instâncias.

Mas o debate está aberto:

- A decisão é um fundamento a mais no esforço de defender a liberdade - diz o defensor público Denis Sampaio, assessor criminal da Defensoria do Rio de Janeiro.

A posição do Supremo, tomada no início de fevereiro por sete votos a quatro, já influencia a mais ampla iniciativa de libertação de presos em situação irregular no país: os mutirões carcerários organizados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). No Piauí, onde a segunda etapa do mutirão ocorreu depois da medida do STF, a libertação de cerca de cem presos - na primeira etapa, em dezembro, foram quase 200 - causou polêmica. O secretário estadual de Segurança, Robert Rios Magalhães, atacou a iniciativa e disse que a criminalidade no estado aumentou após o mutirão.

No Piauí, libertação causou polêmica

No Piauí, 71% dos presos são provisórios. Do grupo solto nos dois mutirões carcerários, feitos em parceria com o Tribunal de Justiça piauiense, 240 eram provisórios, e muitos aguardam julgamento há mais de três anos. O resultado do trabalho começou a ter repercussão depois da soltura de Wagner Gomes da Silva, o Wagner Paulista, envolvido em assalto a uma agência do Banco do Brasil em Teresina, que resultou na morte do sargento Sebastião Silva, da Polícia Militar.

O comandante da Rone (Rondas Ostensivas de Natureza Especial) da PM, capitão Fábio Abreu, que prendeu Wagner Paulista após o crime contra o sargento, diz que o assaltante foi preso três vezes por assalto, roubo e porte ilegal de arma.

Wagner Paulista também foi responsabilizado por participação no assalto a um comerciante, de quem roubou R$65 mil na cidade de Altos (42 km da capital), e autuado e preso por roubo de uma casa de recebimento de contas em Teresina e por porte ilegal em Timon, uma cidade do Maranhão.

- Nunca consegui ser julgado - reclamou Wagner.

Gilmar: preventiva vai continuar ocorrendo

Iniciado em outubro, por iniciativa do presidente do Supremo e do CNJ, ministro Gilmar Mendes, o mutirão já passou por Rio de Janeiro, Maranhão, Pará e Piauí.

Nos presídios fluminenses, que abrigam cerca de 5 mil presos provisórios (41% do total), o mutirão ainda não conseguiu favorecer réus que aguardam atrás das grades o trânsito em julgado das sentenças. Os responsáveis pelo trabalho precisam conhecer a situação individual de cada preso nas varas criminais de origem.

- Não sei como poderia ser feito mutirão porque depende de chamar os juízes, analisar cada processo e ver o que se pode fazer. No processo criminal, não se pode fazer o julgamento antecipado - comentou um especialista, que prefere não se identificar.

Por enquanto, segundo o defensor público Denis Sampaio, a decisão do Supremo só atinge os presos soltos durante a instrução do processo. Antigamente, a condenação em segundo grau representava a expedição imediata do mandado de prisão. Mas, agora, isso já não ocorre mais, afirma o defensor.

Entre os 191 mil presos provisórios do país, há casos de prisão em flagrante, temporária, preventiva, prisão por pronúncia (submete o preso ao tribunal do júri), prisão por extradição (decretada pelo Supremo) e, por fim, prisão decorrente de sentença penal condenatória em primeiro ou segundo grau dependente de recurso. A decisão do STF beneficiou cinco réus desse último grupo, já condenados por tentativa de estupro, roubo e estelionato, mas ainda com direito a recurso. E o STF sustenta que a medida não atinge quem tem prisão preventiva ou temporária, por exemplo, mas apenas os que já têm condenação de até segunda instância.

O presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, afirmou que a decisão não representa a libertação automática dos 191 mil presos:

- É preciso esclarecer a questão da prisão preventiva. A prisão preventiva tem pressupostos definidos na Constituição e na legislação processual. Ela pode ocorrer e continuar ocorrendo, tanto é que nós temos no Brasil um número elevado de presos submetidos a essa condição. São mais de 200 mil presos provisórios no Brasil neste momento e ninguém está dizendo que essas pessoas estão indevidamente presas. Elas são presas com base em decisões judiciais. Agora, em relação à condenação, para que haja o recolhimento à prisão, o juiz terá que fundamentar a necessidade.

A partir dos mutirões e da análise da situação nos estados, o CNJ traçou um diagnóstico dos problemas. Além de superlotação dos presídios, não há separação de presos condenados e provisórios; faltam assistência jurídica, trabalho para os presos, educação e capacitação profissional; e há pessoas que continuam presas após o cumprimento das penas.

COLABOROU: Carolina Brígido