Título: País pode eleger mais 75 parlamentares em 2010
Autor: Casado, José; Lima, Maria
Fonte: O Globo, 01/03/2009, O País, p. 4

Parlamento do Mercosul está sendo criado, apesar dos custos, da falta de debate e dos conflitos constitucionais

BRASÍLIA e RIO. Se tudo acontecer como deseja o governo, em outubro do ano que vem os brasileiros vão às urnas escolher 75 representantes do país no Parlamento do Mercosul (Parlasul) - além de 513 deputados e 54 senadores para o Congresso Nacional.

O Mercado Comum do Sul (Mercosul) é um projeto de integração de Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai com prazo previsto para conclusão em 2018. Países vizinhos, como Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru, são "associados", ou seja, não têm direito a voto nos órgãos do Mercosul. A Venezuela, atualmente, participa como "observadora". Poderá vir a ser sócia-efetiva, com direito a voz e voto, caso o seu ingresso seja referendado no Legislativo brasileiro. O Senado ainda analisa.

O Parlasul é a mais recente instância de um novo mundo que está sendo criado pela burocracia dos governos integrantes do Mercosul. Instalado há dois anos, funciona em caráter provisório. Tem orçamento próprio de US$2 milhões e até dezembro vai ganhar sede própria, em um anexo do antigo Cassino de Montevidéu, onde está a sede da Secretaria do Mercosul.

Por enquanto, o Parlasul funciona com representação paritária designada pelo Legislativo dos países-sócios (são 18 representantes de Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai). O Itamaraty anuncia que "já em 2010" todos os representantes estarão eleitos "por sufrágio universal, direto e secreto". O Paraguai elegeu sua bancada (18) em junho do ano passado. Argentina e Uruguai elegeriam no segundo semestre deste ano. E o Brasil no próximo ano.

Principal obstáculo é a Constituição brasileira

É do Brasil a proposta de que cada país tenha representação no Parlasul proporcional ao peso da respectiva população. Pelo projeto, o Brasil ficaria com 75 cadeiras, a Argentina com 35, o Uruguai com 18 e o Paraguai com 18. Caso a Venezuela tenha seu ingresso no Mercosul aprovado, teria 31 representantes. Prevê-se para o início de abril o acordo sobre as bancadas do Parlasul. E, até junho, a submissão das regras para a eleição no Brasil em 2010.

O único problema é que esse roteiro de negociações políticas conduzidas sem debate público e em ritmo acelerado, sob patrocínio do governo Lula e partidos aliados, até agora não levou em consideração o principal obstáculo - a Constituição brasileira.

- Estamos diante de uma síntese de inconstitucionalidades - constata, por exemplo, o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), que pretende listá-las no plenário da Câmara, nesta semana.

A participação do Brasil em um parlamento supranacional, com poderes equivalentes ou superiores aos do Congresso Nacional, seria incompatível com cláusulas pétreas da Constituição em vigor, de acordo com análises produzidas no Congresso.

- O primeiro artigo da Constituição brasileira diz que a soberania é princípio constitucional fundamental - lembra Miro Teixeira. - E subordinar o Brasil a uma instituição comum a outros países, seria configurar uma confederação, o que não é possível nem por emenda constitucional, como diz o artigo 60. São cláusulas pétreas!

Além do Parlasul, vem aí o Parlamento da Unasul

A negociação política em curso sobre o Parlasul deve influenciar diretamente toda a legislação a ser produzida para a eleição nacional de 2010, admite o principal negociador brasileiro, o deputado Florisvaldo Fier, conhecido como Dr. Rosinha (PT-PR). Isso porque os candidatos ao Parlasul seriam escolhidos pela direção dos partidos e apresentados em lista nacional ou regional.

- Para o Parlasul, quem tem de indicar o candidato é o partido, que vai definir a linha ideológica que ele vai defender no processo de integração - explica o deputado. - Ele não será um parlamentar nacional. Levará as posições concretas de seu partido.

Como não seria possível uma eleição por dois sistemas simultâneos - candidaturas avulsas ao Congresso Nacional e por listas partidárias para o Parlasul -, toda a legislação eleitoral de 2010 teria de ser baseada no modelo do voto regional em lista partidária.

Vai dar "um pouco de confusão", admite o negociador brasileiro. Ele lembra que o projeto de reforma política recentemente encaminhado pelo governo ao Congresso "já prevê" a substituição do modelo atual, de lista aberta de candidaturas, pelo de lista fechada nas eleições.

Um novo problema é que, por iniciativa do governo brasileiro, criou-se em paralelo ao Parlasul um outro parlamento regional, o da União de Nações Sul-americanas (Unasul), com sede em Cochabamba, Bolívia. É o que estabelece o Tratado da Unasul proposto pelo governo Lula e subscrito por 10 países vizinhos em maio do ano passado.

- É claro que vai haver superposição, e não tenho ideia de como isso será resolvido - comenta o deputado Dr. Rosinha.

Esse novo mundo desenhado pela burocracia governamental está repleto de instituições com orçamentos próprios e autonomia de gastos. No projeto esqueceram apenas a Constituição brasileira, que vai completar 21 anos em vigor.