Título: Houve o desejo de eliminar, de matar. Foi homicídio qualificado
Autor: Freire, Flávio; Farah, Tatiana
Fonte: O Globo, 03/03/2009, O País, p. 3

SÃO JOAQUIM DO MONTE (PE). O promotor agrário de Pernambuco, Edson Guerra, voltou ontem a responsabilizar os militantes do MST pela chacina que resultou nos assassinatos de quatro seguranças na Fazenda Consulta. "Houve desejo de eliminar, de matar", acusou ele, na delegacia de São Joaquim do Monte, onde acompanha o inquérito que apura os crimes. Guerra disse que a região do Agreste, onde fica a cidade, é ocupada por médias e pequenas propriedades incompatíveis com a reforma agrária.

Letícia Lins

Houve legítima defesa, como alega o MST, ou homicídio doloso?

EDSON GUERRA: Nossa posição inicial está mantida. A princípio, houve uma tentativa de agressão de um vigilante, e a reação, por parte dos sem-terra, aponta para um excesso doloso ou mesmo para o excesso de legítima defesa. A pessoa começa a se defender e, depois de ter dominado os agressores, passa a agredir. Ou seja, de uma reação, passou-se a uma agressão. Isso configura excesso doloso e homicídio qualificado. Nesse caso, os dois vigilantes, João e Rafael (João Arnaldo da Silva, de 40 anos, e Rafael Erasmo da Silva, de 20), foram alvejados. Depois de caídos, novamente o agressor voltou, para desferir novos tiros. Os outros dois correram e um deles já estava puxando uma perna, cambaleando. Mesmo assim, foi perseguido e assassinado.

Então foi homicídio qualificado?

GUERRA: Com certeza. As provas coletadas, inclusive as periciais, apontam tiros na cabeça. Isso é indício forte de excesso doloso. Houve desejo de eliminar, de matar.

Esse conflito prejudica a reforma agrária?

GUERRA: Essas pessoas podem ser prejudicadas. Mas, de acordo com a documentação, a Fazenda Jabuticaba já foi periciada. É uma média propriedade. Mesmo que seja improdutiva, não pode ser desapropriada para reforma agrária. Já a Fazenda Consulta foi periciada em 2002, quando não havia sido dividida entre os herdeiros. Nessa época, tinha mil hectares. Mas, enquanto o processo de vistoria era suspenso na Justiça, ela foi desmembrada. Agora, são quatro propriedades de pouco mais de 200 hectares. Ou seja, são médias propriedades. As duas estão inviabilizadas para questão de reforma agrária ou interesse social. A única coisa que pode acontecer a favor dos sem-terra é se os proprietários aceitarem proposta de compra pelo Incra. Incidentes como esses que ocorreram no último dia 21 trazem grandes prejuízos. Por conta da imagem que deixam, prejudicam a mobilização pela reforma agrária.

Que outros fatores prejudicam a execução da reforma agrária?

GUERRA: Temos histórico de ocupações excessivas e repetitivas. Isso aumenta o conflito. Mas há um outro conjunto de situações que prejudica, faz com que aumente o clima de tensão e violência. A demora nos processos de desapropriação, a pouca disponibilidade de terras no estado (principalmente no Agreste) e a necessidade de mudança na legislação para que se alterem os graus de utilização e de eficiência econômica da terra. O Congresso também deveria votar lei autorizando o Incra a comprar pequenas e médias propriedades em moeda corrente e à vista. Teríamos mais oportunidade de assentar trabalhadores. Do jeito que está, vamos cada vez mais piorar a situação.