Título: Senador fala em quadro aterrador da corrupção
Autor: Lima, Maria
Fonte: O Globo, 04/03/2009, O País, p. 5

CORRUPÇÃO EM DEBATE: Sarney rebate acusação de que tenha mandado vasculhar vida fiscal e eleitoral do colega.

Sem citar nomes ou partidos desta vez, Jarbas vai à tribuna e cobra agência anticorrupção, promessa de Lula de 2002

BRASÍLIA. Para alívio da cúpula do PMDB, que foi para o plenário armada para duelar verbalmente com o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), ele subiu à tribuna e fez um longo e duro discurso em defesa do fim da impunidade e da corrupção em todos os setores da sociedade brasileira, defendeu reforma profunda na política e no orçamento da União, mas não citou nominalmente nenhum companheiro, nem o partido, explicitamente. De manhã, a bancada do PMDB se reuniu em clima de guerra contra Jarbas, e o líder Renan Calheiros (PMDB-AL) foi escalado para responder a novos ataques no plenário.

O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP) - atacado juntamente com Renan em entrevista de Jarbas à revista "Veja", em fevereiro -, saiu do plenário bem antes do discurso do pernambucano. Quando Renan viu que o senador não faria novos ataques, também saiu sem dizer nada.

Senador recebeu apoio de colegas de todos os partidos

Jarbas recebeu apoio de senadores de todos os partidos, inclusive do PT. Depois de fazer um relato da teia de corrupção nos partidos, nos poderes e no governo, defendeu duas propostas que disse ter retirado do programa de governo de Lula de 2002, que ele disse nunca terem sido colocadas em prática: a criação de uma agência anticorrupção, com participação de Executivo, Legislativo e Judiciário, do Ministério Público, Tribunal de Contas da União e representantes da sociedade civil para preparar um plano nacional anticorrupção; e a retomada do Movimento de Combate à corrupção eleitoral, para acompanhar processos e denúncias de compra de votos e uso eleitoral da máquina administrativa.

No início do discurso, Jarbas disse que sua vida fiscal e eleitoral estava sendo vasculhada por arapongas. Na véspera, dissera que a imprensa de Pernambuco noticiava que Sarney havia mandado duas pessoas ao estado para levantar denúncias, que seriam feitas na tribuna da Câmara pelo deputado Silvio Costa (PMN-PE).

- Não temo esses investigadores, apesar de considerá-los credenciados para tal função, porque de crimes eles entendem - disse Jarbas em seu discurso.

Sarney negou que tivesse mandado investigar Jarbas.

- Nunca mandei investigar a vida de ninguém! Ninguém! Nesse caso, é melhor que Jarbas diga quem são essas pessoas - desafiou Sarney.

Jarbas comemora manobra fracassada em fundo

Sem Sarney na presidência, o senador Marconi Perillo (PSDB-GO), que presidia a sessão, deu todo o tempo para que Jarbas discursasse e recebesse apartes. Um pouco antes de subir à tribuna, o senador foi abordado pelo ex-líder do PMDB Valdir Raupp (RO), que pediu que ele poupasse o partido de denúncias genéricas:

- Jarbas, pega leve com o partido. Você está fazendo um estrago, sem citar nomes.

Jarbas contabilizou como uma vitória de sua cruzada anticorrupção o fracasso da tentativa do PMDB de colocar no comando da Fundação Real Grandeza, o fundo de pensão de Furnas, apadrinhados da bancada do Rio de Janeiro.

- Os recentes acontecimentos na Fundação Real Grandeza são uma prova inequívoca do que explicitei na minha entrevista. Repito: não preciso citar nomes, pois eles vêm à tona, infelizmente quase diariamente - disse. - Meu objetivo principal foi atingido ao fazer com que uma parte expressiva da sociedade brasileira prestasse mais atenção no que ocorre no posso país. Um quadro aterrador que até agora vinha sendo encoberto pelos bons resultados da economia. O resultado prático foi mostrar ao cidadão comum que vale a pena se indignar, que nem tudo está perdido, que compactuar com a corrupção não é pré-requisito para a carreira política.

Jarbas voltou a falar em impunidade e no apego dos políticos aos cargos públicos:

- No Brasil dos dias atuais, a certeza da impunidade dá uma força muito grande a quem não agiu com lisura e correção. As pessoas se agarram aos cargos como um marisco na casca do navio. Não caem nem nas maiores tempestades.

- Vossa Excelência fez o discurso que eu queria ter feito. Chamou a atenção do país todo para o festival de corrupção que se tornou banal e tomou conta de todos os poderes - disse o tucano Tasso Jereissati (CE).

- O mais grave é que disse o óbvio. Existe corrupção, mas ela virou paisagem que o povo passa, vê, e sente nojo. Mas nós fingimos que ela não existe. Silenciamos como vão silenciar para parecer que sua fala nunca existiu. A Casa tolera tudo isso, virou uma Casa de tolerância - disse Cristovam Buarque (PDT-DF).

Roseana: "Jarbas não tem moral para falar de A ou B"

De manhã, na reunião da bancada, segundo os participantes, a senadora Roseana Sarney (PMDB-MA) era uma das mais nervosas, e cobrava uma resposta enérgica às críticas de Jarbas. O clima era de muita revolta.

- O Jarbas não tem moral e ética para falar mal de A ou B. Ele usou o partido a vida inteira - protestou Roseana, segundo relatos.