Título: Aberta a guerra nos céus do Rio
Autor: Bôas, Bruno Villas; Franco, Bernardo Mello
Fonte: O Globo, 04/03/2009, Economia, p. 23

Anac aprova voos regionais no Santos Dumont, mas governo do estado quer inviabilizar aeroporto.

Contrariando pressões políticas do governo do estado e da Prefeitura do Rio, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) aprovou ontem a retomada dos voos regionais no Aeroporto Santos Dumont, cujas operações estão limitadas ao eixo Rio-São Paulo desde março de 2005. Em reunião de quatro horas no escritório da agência, no Rio, diretores da Anac decidiram revogar a portaria 187 do extinto Departamento de Aviação Civil (DAC), que limitava as operações. Estima-se que em 50 dias voos devem ser iniciados do aeroporto para Campinas, Belo Horizonte, Vitória, Salvador e Brasília.

Segundo a Infraero, o aeroporto opera 120 voos por dia, em média, e pode receber mais 80 por dia. Com a publicação da decisão no Diário Oficial nesta sexta-feira, a agência vai marcar reunião com as companhias para discutir a distribuição dos slots (autorizações de pouso e decolagem). Os maiores interessados são empresas menores, como Azul, Webjet e OceanAir, que apoiaram a abertura.

Mas a decisão contrariou interesses dos governos estadual e municipal, que temem o esvaziamento do Aeroporto Tom Jobim (Galeão), em concessão com vistas à Copa do Mundo de 2014 e à candidatura do Rio para sediar as Olimpíadas de 2016.

O governador do Rio, Sérgio Cabral, ameaçou recorrer à Justiça ainda esta semana para barrar a reabertura. Declarou guerra à Anac, que acusou de ceder à pressão da Azul. Prometeu retaliar com alta de impostos e suspensão das licenças ambientais do terminal. Mostrando irritação, classificou a decisão de "covardia, deboche e absurdo". Acusou a Anac de afrontar sua autoridade e chamou o dono da Azul, David Neeleman, de "gringo e lobista".

- É um equívoco enorme, gigantesco. Autorizar voos regionais no Santos Dumont para Brasília, Belo Horizonte e Salvador é simplesmente acabar com algo que nós estamos retomando no Rio, que é o hub (centro de distribuição de voos) no Galeão. Isso chega a ser um deboche com o esforço enorme feito pelo governo do Rio. A Anac não está respeitando a autoridade política do governador e do prefeito, que são contra essa medida porque entendem que é hora de valorizar o Galeão - afirmou.

Cabral ameaçou elevar o ICMS do querosene de aviação, hoje de 4% no Rio, para 17% ou 18%. Ele disse ainda que o Santos Dumont já estaria sem licença ambiental para operar outras linhas e ameaçou não renová-las:

- Vamos acabar com o subsídio no Santos Dumont. Se é para fazer guerra, nós acabamos (com o subsídio). A licença ambiental do Santos Dumont não está renovada há um ano. Lamento que a Anac esteja se comportando dessa maneira.

O governador despejou sua ira também contra o dono da Azul. Debochou do sotaque do executivo, que é brasileiro mas foi criado nos EUA.

- Isso é o lobby de uma empresa chamada Azul, de um cidadão que fala um português assim (imitando sotaque americano), como é o nome dele? - perguntou a jornalistas. - Pensam que TAM e Gol não vão entrar no Santos Dumont? Entram mais rápido que esse gringo.

Cabral também desafiou o ministro da Defesa, Nelson Jobim, responsável pela indicação da presidente da Anac, Solange Vieira.

- Já procurei o ministro Jobim. Já que não está adiantando a conversa, vamos para a parte legal, vamos agir. Isso é um absurdo contra o Rio.

O debate sobre o retorno dos voos regionais ao Santos Dumont começou com a entrada da Azul no mercado. Na segunda-feira, a empresa obteve liminar no Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, em segunda instância, para voar entre Viracopos, em Campinas (SP), e o Santos Dumont. O presidente da empresa, Pedro Janot, afirmou que o governo incentiva o duopólio de TAM e Gol:

- Estão inibindo a concorrência. Gol e TAM têm 90% dos voos do Santos Dumont.

Antes da decisão, o prefeito Eduardo Paes disse que lutaria para impedir novos voos no Santos Dumont.

A Anac informou que não poderia manter a restrição. A lei que criou a agência assegura a exploração de quaisquer linhas pelas companhias, desde que haja condições de segurança e capacidade operacional.

Principal opositora à abertura do aeroporto, a TAM informou que não se pronunciaria no momento, bem como Gol e Varig. A OceanAir informou que vai fazer pedidos para operar em diversos destinos. A Azul espera iniciar voos para Viracopos no fim do mês.

"Isso é lobby de uma empresa chamada Azul, de um cidadão que fala um português assim (debochando do sotaque de estrangeiro)"

SÉRGIO CABRAL

Governador do Rio, referindo-se a David Neeleman, dono da Azul

oglobo.com.br/economia