Título: A Embraer e a Justiça do Trabalho
Autor: Rosenfield, Denis Lerrer
Fonte: O Globo, 05/03/2009, Opinião, p. 7

O Tribunal Regional do Trabalho, da 15ª Região, suspendeu as demissões da Embraer em caráter liminar. A sentença chama particularmente a atenção pelo seu caráter anticapitalista. Ela sugere seguir o princípio constitucional da livre iniciativa e da concorrência, significando com isso que se situa dentro da lei. Ora, logo é introduzido um argumento completamente abstrato e limitativo da livre iniciativa e da concorrência mediante a ideia genérica dos direitos da personalidade humana. Assim fazendo, o juiz se coloca na situação daquele que sabe quais são os direitos da personalidade humana.

Fica cômodo do ponto de vista ideológico, pois pode haver consenso sobre a defesa dos direitos da personalidade humana. O problema, porém, surge quando precisamos definir o que seja essa ideia e, segundo, havendo clareza, trata-se de saber se pode ser aplicada ou não. Todos podemos estar de acordo com a ideia de um Reino de Deus, daí não se segue que seja factível na Terra.

Eis a sua forma de argumentação: ela recorre a um princípio constitucional - há o respaldo legal - e o eleva à posição de uma meta-regra, servindo de parâmetro para o julgamento de qualquer regra, no caso a norma que rege as relações sindicais e trabalhistas. A sentença envereda, então, para a argumentação propriamente política, passando a tecer considerações sobre a sociedade capitalista. No caso, é afirmado que "o princípio da ordem econômica e da livre concorrência" não se constitui na "valorização do trabalho humano", segundo os "ditames da justiça social". Logo a conclusão: a Justiça deve priorizar "os valores sociais do trabalho sobre os valores da sociedade capitalista".

Convém ressaltar a visão distorcida do capitalismo, que está, na verdade, ancorada numa proposta segundo a qual o socialismo encarnaria moralmente o valor superior da Humanidade, embora a palavra socialismo não apareça na sentença. O capitalismo, onde se efetuou plenamente, traduziu-se pelo crescimento econômico, pela prosperidade social, pela liberdade sindical, pelo estado de direito e pela democracia representativa. Todas essas propriedades do capitalismo inexistem nas sociedades socialistas, que se realizaram. O despotismo totalitário foi a sua novidade. Nem a Justiça do Trabalho nelas encontra guarida!

Faz-se presente a concepção de que o juiz seria uma espécie de reformador social, um reformador do capitalismo, que estaria em possessão dos valores superiores da Humanidade que, através dele, se concretizariam. O juiz passaria a agir em função de suas próprias convicções. É como se a lei, conforme essa convicção, pudesse ditar os rumos dos processos econômicos. Uma empresa não demite por perversão, mas por necessidade. Se há queda da demanda mundial de aviões, trata-se de um problema que ultrapassa - e muito - o poder de decisão de uma empresa individual.

A Justiça do Trabalho se torna, assim, um operador propriamente político, tendo como função transformar a realidade segundo a sua concepção previamente determinada do que deve ser a sociedade.

DENIS LERRER ROSENFIELD é professor de filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.