Título: Aborto é mais grave que estupro
Autor: Lins, Letícia
Fonte: O Globo, 07/03/2009, O País, p. 3

Arcebispo excomunga médicos, mas não o estuprador de menina de 9 anos.

Oarcebispo de Olinda e Recife, Dom José Cardoso Sobrinho, afirmou ontem que o crime de estupro é "menos grave" que o de aborto. O arcebispo fez a comparação ao justificar a excomunhão de todos os envolvidos no aborto legal realizado em uma menina de 9 anos, estuprada pelo padrasto em Pernambuco, enquanto o criminoso não sofreu qualquer punição da Igreja.

- Ele (o padrasto) cometeu um pecado gravíssimo, mas não está excomungado. Segundo a Igreja, o aborto é um crime mais grave ainda. A pessoa que comete o estupro, assalta ou faz tantos delitos graves que acontecem não é penalizada com a excomunhão. Mas o Código Canônico é bem claro com o aborto. Ele estabelece, em seu Cannon número 1.398, a excomunhão automática para quem o pratica. No caso da menina, permanecem excomungados os médicos, a mãe, que autorizou, e todas as pessoas que participaram do aborto - disse o religioso, acrescentando que a vítima não está excomungada por ser uma criança.

O arcebispo havia anunciado a excomunhão da mãe, dos médicos e de todos os envolvidos no aborto, feito com base legal, na quarta-feira, em uma maternidade pública da capital pernambucana. Quem é excomungado fica proibido de receber sacramentos da Igreja, como batismo, comunhão, crisma e casamento.

Ontem, o arcebispo justificou a excomunhão alegando que "a lei de Deus está acima de qualquer lei humana", referindo-se à legislação brasileira, que autoriza o aborto em caso de estupro ou quando a mãe corre risco de vida - neste caso, as duas situações se somaram, já que ela corria risco de vida com a gravidez.

Médico diz que não deixará de ir à missa

Ainda ontem, Dom José comparou numericamente os abortos praticados no mundo ao Holocausto:

- Na Segunda Guerra Mundial aconteceu um genocídio. Aquele ditador, Hitler, queria exterminar os judeus. E mataram seis milhões. Agora acontece um holocausto silencioso no mundo inteiro. A cada ano, há 50 milhões de abortos no mundo. No Brasil, um milhão. Nós, cristãos, não podemos ficar de braços cruzados - apelou o arcebispo, no lançamento da Campanha da Fraternidade em Recife, quando recebeu apoio da Regional Nordeste II da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

Sérgio Cabral, o diretor da maternidade Cisam, onde foi realizado o procedimento, está entre os excomungados. Ele reagiu:

- Nós continuaremos a atender mulheres vítimas de violência sexual e a garantir-lhes o direito por lei de serem adequadamente assistidas, inclusive no abortamento previsto em lei, caso seja necessário.

Outro médico da equipe, Rivaldo Albuquerque, já havia sido excomungado antes. Ele entrou em choque com a Igreja desde que participou da criação de um serviço de atenção a mulheres violentadas, que faz o aborto nos casos previstos por lei. Católico praticante, o médico disse que não vai deixar de ir à missa:

- A minha tristeza se dá porque a Igreja poderia levar para este outro lado da fraternidade e leva para o conflito. Então, não é esta Igreja que a gente gosta. O povo quer uma Igreja de perdão, de amor e de misericórdia.

Carla Batista, educadora da S.O.S Corpo, que comandou uma mobilização para que o aborto fosse autorizado pela Justiça, também disse ter formação católica e que a excomunhão não muda sua relação com a Igreja.

* Com agências