Título: Encruzilhada brasileira
Autor: Magalhães, Raphael de Almeida
Fonte: O Globo, 07/03/2009, Opinião, p. 7

Tenho discutido, sistematicamente, o papel do Banco Central no medíocre desempenho da economia brasileira nos últimos anos.

Desde a sua fundação, com raras exceções (como no período de grande crescimento do país) o Banco Central nunca levou em conta, para valer, sua destinação institucional constante da lei nº 4.595, de 31/12/64, de "orientar a aplicação dos recursos das instituições financeiras, quer públicas quer privadas, tendo em vista propiciar, nas diferentes regiões do país, condições favoráveis ao desenvolvimento harmônico da economia nacional".

Em desrespeito absoluto desta sua função institucional, acentuadamente a partir do governo Fernando Henrique Cardoso, o BC não cuidou, se não da inflação, desprezando o seu papel essencial de promotor do desenvolvimento.

O resultado é que o Brasil tem praticado uma forma original de capitalismo no qual a oferta de crédito - o sangue da economia de mercado -, além de caro, como sabemos, é extravagantemente escasso, constituindo-se em obstáculo estrutural inibidor do crescimento do setor produtivo nacional.

A oferta de crédito à indústria, por exemplo, segundo a Fiesp, correspondia, em 2006, a 32% do PIB, o que nos colocava, na relação PIB/crédito, na 82ªposição mundial. Temos, assim, sob a bênção do BC, uma economia de mercado, com sofisticado parque industrial, com um volume de crédito restrito, em relação às necessidades da economia nacional. E como dizia, na sua infinita sabedoria, o grande Galbright, a dinâmica do capitalismo é sustentada pelo crédito abundante, no qual "o consumidor compra um bem que não precisa com o dinheiro que não tem".

Não obstante o crédito curto - que devia encurtar, também, os seus lucros -, o sistema financeiro nacional, compensatoriamente até, pratica juros exorbitantes que nos coloca como líder mundial dos maiores spreads bancários - diferença entre a taxa de juros básica e o custo final do dinheiro para o mutuário. O spread médio bancário brasileiro, que, segundo estudo da Fiesp, de 02/12/2008, era de 43,2%, é muito superior ao spread mundial bancário médio mundial de 9,2% ao ano, uma extravagância que situa a indústria brasileira em condições não competitivas. Como somos, também, detentores do título de reis da maior taxa de juros básica do mundo, o quadro é mais dramático. Campeões nas duas categorias, é claro que somos, também, campeões absolutos no custo total do dinheiro: o custo total médio do dinheiro para a indústria, no Brasil, é de 64% ao ano, contra 36,7% na Índia, 12% no Chile, 9,2% na China, 9% na Coreia e no Japão.

O verdadeiro milagre brasileiro consiste, assim, em sustentar uma razoável taxa de crescimento econômico apesar da combinação corrosiva de uma taxa de juros global escandalosamente alta, desalinhada completamente, em relação às taxas correntes no mundo, além de uma das menores relações crédito/PIB. E, apesar desta desfuncionalidade, o sistema financeiro se distingue por altíssima rentabilidade, lograda às custas das empresas e das famílias.

A alegação de que o spread é alto porque a inadimplência é, no mínimo, mero sofisma. Mesmo porque a incidência da inadimplência na formação do spread bancário é estimada pela Fiesp em apenas 37,4% da composição total do spread: maior custo do dinheiro, maior a taxa final para o mutuário e maior a inadimplência.

Spread muito acima do padrão internacional, taxa básica extravagante e volume insuficiente de crédito são incompatíveis com qualquer estratégia do governo para abrandar o impacto da crise sobre a economia brasileira. E pior ainda ficaremos se vier a prevalecer a tese de corte de gastos públicos para alinhar a queda da receita com as metas do "superávit primário".

Se isso acontecer, o país entrará em perigosa recessão. Todos os países do mundo, nesta hora, aumentaram os seus gastos fiscais. A começar pelos EUA, com seu presidente anunciando, solenemente, a elevação do déficit orçamentário previsto para 2009, de 1 trilhão e dois bilhões de dólares para 1 trilhão e 700 bilhões de dólares, necessários para compensar uma enormíssima redução da receita fiscal, americana, inevitável diante do processo recessivo em curso. Já que temos mania de copiá-los na apologia dos mercados globalizados e desregulados, que tal os imitarmos agora, e ampliar os gastos públicos, aumentar a oferta de crédito e reduzir, drasticamente, o spread?

RAPHAEL DE ALMEIDA MAGALHÃES é advogado, foi governador do Estado da Guanabara e ministro da Previdência Social.