Título: Recessão à espreita
Autor: Casemiro, Luciana; Rodrigues, Luciana
Fonte: O Globo, 07/03/2009, Economia, p. 22
Produção industrial recua 17,2%, pior taxa desde 1990, quando país vivia efeitos do Plano Collor.
Surpreendentemente ruim. Assim foi definido pelos analistas o resultado da Produção Industrial Mensal de janeiro (PIM), que registrou alta de 2,3% em relação a dezembro, contra uma expectativa de mercado de crescimento de 5% a 11%. Na comparação com janeiro do ano passado, a produção deste ano recuou 17,2%, frustrando também estimativas de queda na casa dos 10%. O resultado da comparação anual é o pior desde abril de 1990, quando houve uma retração de 27,7%, em consequência dos efeitos do Plano Collor. Os dados divulgados pelo IBGE, ontem, são o sinal de fumaça de que o país já estaria em recessão. Especialistas admitem rever para baixo as previsões para o Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de todos os bens e serviços produzidos pelo país) para o primeiro trimestre de 2009. E para cima o corte da Taxa Selic (juro básico da economia), na reunião do Copom, quarta-feira, para até 1,5 ponto percentual.
O crescimento do índice de produção registrado em janeiro em relação a dezembro não chega a ser significativo, já que a base do mês anterior era muito baixa (havia caído 14,8% em relação a novembro). De qualquer forma, a alta de janeiro interrompe três meses de de taxas negativas, período em que a produção industrial acumulou perda de 20,1%.
- O melhor indicador de tendência, no momento, é o índice de média móvel trimestral, que registrou queda de 6,9%, no trimestre fechado em dezembro, e de redução de 6,2%, no fechado em janeiro. Isso quer dizer que houve uma desaceleração da queda, mas está longe de ser uma recuperação. A tendência é claramente negativa. Pior seria se continuasse caindo - diz Silvio Sales, coordenador de Indústria do IBGE.
Setor automotivo puxou taxa positiva
Na comparação anual, há queda em todas as categorias pesquisadas, especialmente na de bens duráveis (-30,9%), que é dependente de crédito. A alta da produção em janeiro foi puxada pelo setor de veículos automotores, que cresceu 40,8% em relação ao mês anterior. O segmento foi o responsável pelo tombo de dezembro, quando registrou queda de 40,8%.
- Apesar da alta significativa, o setor não retornou ao patamar de setembro - destaca Sales.
Segundo Fernando Montero, economista-chefe da Convenção Consultoria, os números do IBGE apontam um ciclo mais intenso de retração e mais longo para recuperação:
- O que surpreendeu analistas foi a queda dos bens intermediários (insumos para indústria), de 21%, que sinaliza estoque ainda alto. A demanda ainda está elevada, mas como há estoque, a indústria produz menos do que o comércio vende. E compra menos matéria-prima. A questão é o efeito disso na base. Se a produção cair muito, reduz emprego, que reduz a demanda e pode tornar esse ciclo mais duradouro.
É nesse cenário que será divulgado na semana que vem, pelo IBGE, o PIB do último trimestre de 2008. A estimativa é de queda frente ao trimestre imediatamente anterior. Com a indústria ainda fraca em janeiro, aumenta a probabilidade de que o PIB seja negativo também nos três primeiros meses deste ano - configurando assim dois trimestres consecutivos de queda na economia, o que, por definição, caracteriza recessão.
- A economia vinha crescendo a um ritmo de 6% ao ano até setembro de 2008 e, no fim do ano, houve uma parada brusca. Estamos saindo de números muito altos para números muito baixos. Mesmo que o PIB não fique negativo no primeiro trimestre, essa mudança drástica configura, sim, uma recessão - afirma Sérgio Vale, economista da MB Associados. - O resultado da indústria em janeiro só mostra que será mais difícil sair dessa crise, ainda mais porque não vemos refresco no cenário externo.
Para Vale, a crise vai persistir por todo o ano e só em 2010 haverá "um início de recuperação". Francisco Faria, da LCA Consultores, é mais otimista e vê sinais positivos em fevereiro, como a alta no licenciamento de automóveis e no consumo de energia. Por enquanto, a LCA prevê que a produção industrial tenha crescido 7% no mês passado e estima, para o PIB do primeiro trimestre, um número próximo de zero, mas "ligeiramente positivo".
O economista Aloisio Campelo, coordenador da sondagem da indústria feita pela Fundação Getulio Vargas (FGV), diz que o índice de confiança do setor já apresenta melhora em fevereiro em relação a janeiro, mas ainda aponta grande incerteza.
O Unibanco ainda não refez suas projeções trimestrais e, agora, prevê que a economia cresça apenas 0,3% este ano. Com o ritmo mais lento da indústria e a ameaça de uma recessão, muitos economistas já acreditam que o Banco Central vá reduzir em 1,5 ponto percentual a taxa básica de juros.
- Há espaço para um corte maior de juros. A economia está enfraquecida, e a inflação, sob controle. O único motivo que haveria para manter os juros altos é a atração de capital externo. Mas, mesmo com um corte da Selic em 1,5 ponto percentual, continuaríamos com uma das taxas mais altas do mundo - diz Fernanda Feil, da Rosenberg Consultores Associados.
Para Elson Teles, economista-chefe da Corretora Concórdia, o corte mais profundo caberia diante da expansão da crise que afetou 26 dos 27 setores pesquisados pelo IBGE e 75% dos produtos avaliados:
- O que o BC deve ponderar é que mensagem passaria ao mercado com um corte profundo. Pode dar um tom de desespero. Ainda temos um núcleo de resistência na nossa inflação. O BC precisa agir com responsabilidade para manter a economia sustentável.
Patrick Carvalho, chefe da Divisão de Estudos Econômicos da Firjan, que aposta numa Taxa Selic de um dígito ainda no primeiro semestre, defende austeridade:
- É preciso que o governo adote austeridade fiscal, eficiência no uso dos recursos.
Para Flávio Serrano, economista-sênior da BES Investimento, o último trimestre deve calibrar o PIB anual:
- Até o terceiro trimestre os cálculos do PIB terão uma base muito alta de comparação, o que pode levar a quedas. Já no quatro trimestre pode-se ter uma alta de 10% a 15% diante da base baixa. E isso calibraria a taxa anual.
FIESP FALA EM RETRAÇÃO DA ECONOMIA E COBRA QUEDA MAIS RÁPIDA DOS JUROS, na página 22