Título: Atrás das grades e dos caça-níqueis
Autor: Ramalho, Sérgio; Araújo, Vera
Fonte: O Globo, 08/03/2009, Rio, p. 16
Ex-chefe de Polícia e "inhos" teriam virado sócios, depois de presos, na exploração de máquinas.
Oex-chefe de Polícia Civil Álvaro Lins e três inspetores que integram o "grupo dos inhos" estão por trás da exploração de caça-níqueis em Jacarepaguá e partes da Barra da Tijuca e do Recreio dos Bandeirantes, segundo investigações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal. O esquema arrecadaria R$3 milhões semanais por meio de duas mil máquinas espalhadas em bares da região. O território, parte do espólio do contraventor Emil Pinheiro, que morreu em 2001, foi arrendado a Rogério Andrade, protegido de Lins e dos "inhos", que ganharam status de sócios após terem sido presos pela PF.
As cifras milionárias arrecadadas através da exploração do jogo ilegal explicam a evolução patrimonial do grupo. Juntos, Lins e os "inhos" - Jorge Luiz Fernandes, o Jorginho; Fábio Menezes de Leão, o Fabinho; e Hélio Machado da Conceição, o Helinho - acumulam bens que totalizam R$8 milhões. O valor, contudo, pode ser ainda maior, já que a quantia é resultado da soma dos valores declarados pelo grupo e os "laranjas" usados para acobertar a compra de imóveis e veículos.
Dono de um patrimônio estimado em R$4 milhões, Jorginho - citado como principal articulador do deputado cassado Álvaro Lins - seguiu os passos do chefe e pulverizou os bens em nome de "laranjas", envolvendo praticamente toda a família. Para esconder o dinheiro de origem ilegal proveniente da exploração das máquinas caça-níqueis em Jacarepaguá, o principal integrante do grupo dos "inhos" investiu pesado em imóveis na Barra, Recreio, Jacarepaguá, e até numa casa na Praia de Tucuns, em Búzios.
As informações constam do processo de número 2008.510804168-9, da 4ª Vara Federal Criminal, ao qual O GLOBO teve acesso com exclusividade. A partir da documentação apreendida durante a Operação Gladiador - realizada em 2006, que investigou o envolvimento de policiais com a máfia dos caça-níqueis - e com o cancelamento do sigilo fiscal de Jorginho, Fabinho e Helinho, além do de seus parentes, os procuradores e policiais federais descobriram um superesquema de lavagem de dinheiro.
Bens incompatíveis com rendimentos
Os documentos revelam que o grupo dos "inhos" ocultava os bens em nomes de terceiros, porque eram incompatíveis com os rendimentos deles e de seus parentes. O salário de um inspetor na categoria deles gira em torno de R$2 mil. De acordo com a denúncia do Ministério Público Federal (MPF), que consta do processo, de 2002 para cá, a evoluçao patrimonial da quadrilha foi "absolutamente incompatível". Nesse período, Jorginho teria recebido R$1 milhão, em 2006, pela prisão do contraventor Fernando Iggnácio, rival do contraventor Rogério Andrade, aliado dos "inhos".
De acordo com o processo, dos nove bens que seriam de Jorginho, destaca-se uma casa no condomínio Maramar, no Recreio, avaliada em R$1,5 milhão, em nome da sogra do policial, Leda Pereira da Silva. O relatório de inteligência da Polícia Federal aponta para a possibilidade de lavagem de dinheiro, uma vez que a sogra de Jorginho recebe rendimentos anuais líquidos da ordem de R$50 mil, segundo dados da Receita Federal e do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Numa promessa de compra e venda datada de 30 de janeiro de 2002, consta o valor de R$200 mil.
Nem a mãe, os irmãos e um sobrinho de Jorginho escaparam de serem denunciados pelo Ministério Público Federal (MPF). Só a irmã Rita de Fátima Fernandes adquiriu uma cobertura e um apartamento na Rua Clóvis Salgado, no Recreio, cujo valor de mercado seria de R$550 mil e R$350 mil, respectivamente. De acordo com documentação do Coaf, os imóveis foram adquiridos por Rita em 14 de janeiro de 2006, com valor declarado de R$450 mil. O relatório de análise das informações fiscais referentes a esses imóveis conclui que há uma total incongruência entre a renda e o patrimônio declarado por Rita.
Menos de 30 dias antes da prisão de Jorginho, em 22 de janeiro de 2007, um dos apartamentos foi transferido para um outro "laranja", Anderson Luciano das Chagas Pinto, que também foi denunciado pelos procuradores da República. No processo, o MPF argumenta que a ideia era desvincular o imóvel do nome de Rita, para que o bem não fosse atingido por eventual medida de sequestro, o que acabou acontecendo mais tarde.
Além da sogra, da irmã e de Anderson, foram denunciados o irmão de Jorginho, Adelino Antônio Fernandes; outra irmã, Cláudia Fernandes dos Santos; a mãe, Maria Rita Fernandes; e o sobrinho Diego Fernandes de Mattos. Também há fortes indícios de que Jorginho é o dono de fato da imobiliária World Primus, onde injetaria dinheiro ilícito para lavá-lo.
Os demais integrantes do grupo dos "inhos", Helinho e Fabinho, dividiam seus bens com a ex-esposa e a mulher, respectivamente. O primeiro pôs no nome dele e de Ana Cristina Araújo da Conceição uma cobertura e um apartamento no Recreio estimados em R$900 mil e R$350 mil. No nome da ex-mulher consta ainda um Passat V6 blindado, de R$90 mil.
Já Fabinho tem uma mansão de R$1 milhão, no Anil, em Jacarepaguá, com piscina, campo de futebol, adega subterrânea, sauna e quatro quartos, no nome da mulher, Fátima Cristina de Barros Dantas, que não trabalha. Além da casa, adquirida em 2005 - consta no Coaf que o valor da transação foi de R$106.449,40 -, ela tem ainda dois imóveis, em Guaratiba. Aliás, são diversas as transações de compra e venda de imóveis no local, feitas pelo casal, que atua, aparentemente, no ramo de loteamento. A região é justamente conhecida por ser alvo da especulação imobiliária. A Polícia Federal acredita que, apesar de os bens estarem indisponíveis, o grupo tentou transferir alguns imóveis para terceiros.
- Quem comprou um dos bens relacionados no processo por lavagem de dinheiro, perderá o bem. A pessoa deveria ter tomado os cuidados necessários, como verificar a procedência do imóvel - explicou um dos envolvidos na investigação.