Título: A nova cara do emprego
Autor: Paul, Gustavo
Fonte: O Globo, 08/03/2009, Economia, p. 33

Com crise, mundo terá mais terceirizados e prestadores de serviços. Indústria e agricultura encolhem.

Quando a economia mundial retornar à normalidade nos próximos anos, o cenário do emprego estará diferente, com mais trabalhadores terceirizados e prestadores de serviços e menos empregados na indústria e agricultura. Essa deve ser, de acordo com especialistas em emprego ouvidos pelo GLOBO, uma das principais sequelas da crise econômica global, que potencializará as mudanças no mercado de trabalho que vinham se delineando nos últimos anos. Ao mesmo tempo, a reposição dos milhões de vagas que estão sendo ceifadas ocorrerá em velocidade inferior à do reaquecimento econômico, tornando o desemprego um drama de grandes proporções.

As perspectivas de desemprego no mundo são desanimadoras a curto e médio prazos. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o exército de desempregados deve aumentar este ano entre 18 milhões - em um cenário otimista - e 51 milhões - na pior das hipóteses. Ao sabor de notícias diárias de demissões e queda nos índices de empregos, ninguém arrisca previsões para 2010 em diante.

Vários setores estão vendo seus empregos escoarem pelo ralo do desaquecimento. Segundo a OIT, desde agosto de 2007, 325 mil trabalhadores do setor financeiro foram demitidos, sendo 40% depois de outubro. A organização adverte que a cifra deverá aumentar nos próximos meses, com o aprofundamento da recessão global.

No Brasil, a indústria de transformação é a atividade mais afetada, segundo Wanderlei Ferreira, sócio-coordenador da empresa de auditoria Terco Grant Thornton. Especialmente os setores que dependem de crédito, como o automobilístico, e do mercado internacional, particularmente Europa e Estados Unidos, como a indústria aeronáutica. Segundo levantamento da Thornton em 36 países, um terço das empresas planeja fechar vagas.

Estudo vê mais vagas em serviços

Atônitos frente a uma crise sem precedentes e, por isso, impedidos de fazer comparações precisas, especialistas em mercado de trabalho admitem não poder definir o futuro do emprego.

- A médio e longo prazos vamos passar por um período de ajuste nas relações de trabalho. Cargos e salários deixarão de existir. Uma nova ordem mundial na economia será definida em cerca de cinco anos, e ainda não temos como estabelecer o que ocorrerá - diz a professora Celina Ramalho, da Fundação Getulio Vargas de São Paulo.

Para a maioria dos estudiosos, a tendência principal será de cautela. É o que diz o ex-ministro do Trabalho e professor Walter Barelli, para quem as empresas irão aguardar antes de readmitir trabalhadores:

- Todo mundo que mandou empregados embora está pensando em como vai voltar a produzir com menos gente. As empresas querem crescer e vão voltar a contratar, mas não será rapidamente.

Por isso, por enquanto, para absorver todo o contingente de mão-de-obra desempregada, os especialistas não veem muitas opções. Segundo o professor José Pastore, especialista em relações de trabalho, a tendência é o aumento da informalidade e da terceirização. Enquanto a primeira atingirá os trabalhadores de menor poder aquisitivo, a terceirização - pela qual o trabalhador deixa de ser contratado para prestar serviço - é a opção para os mais qualificados.

- Quando a economia for retomada, não serão repostas todas as vagas cortadas. Os quadros fixos das corporações devem diminuir, para conter custos - explica Pastore.

Ao desemprego conjuntural somam-se mudanças estruturais, que já vinham ocorrendo. Um estudo sobre o comportamento do emprego nos EUA em 2016, elaborado pelo Escritório de Estatísticas do Trabalho do governo americano, já previa no fim de 2007 - início da crise - essas mudanças e o aumento do desemprego. Quase toda a expansão de vagas ocorrerá no setor de serviços, incluindo saúde, profissionais liberais, negócios e atividades de assistência no campo social.

- Mudou o tipo de emprego, o futuro do mundo são os serviços, e o que aumentará a qualidade do emprego é a educação - avisa o professor José Marcio Camargo, do Departamento de Economia da PUC-Rio.

Por essas previsões, terão vantagens na próxima década profissionais que lidam com sistemas de comunicação, atendimento domiciliar (crianças, doentes e idosos), engenheiros ligados à informática, veterinários, assistentes sociais, fisioterapeutas e profissionais ambientais, entre outros. Já os postos na indústria encolheriam 1,1% ao ano, e a produtividade cresceria.

- A tendência é de aumento de produtividade na indústria e de mudanças de prioridades nas carreiras - diz Waldir José de Quadros, do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) da Unicamp.

Mas especialistas advertem que não é um cenário desesperador, com o fim do emprego no mundo.

- Não será o fim do capitalismo. Será uma transição difícil, mas as pessoas continuarão consumindo, e por isso será preciso produzir. Para isso, é preciso trabalhadores - lembra a pesquisadora da OIT Janine Berg.

"Estamos de mãos atadas aqui"

Com 20 anos na Embraer, o operador de fresa Júlio César da Silva é um dos 4.200 demitidos há duas semanas. Ele espera ser readmitido, mas já avalia outros caminhos:

- Na crise dos anos 1990, havia possibilidade de procurar emprego na GM (em São José dos Campos) ou na Volkswagen (em Taubaté). Agora, a crise é generalizada e estamos com as mãos atadas aqui no Vale do Paraíba.

Já o técnico de manutenção de ferramentaria Joel Aparecido Torres, há 14 anos na subsidiária da indústria alemã Bekum, foi demitido em 20 de fevereiro. Desde terça-feira, ele e outros ex-funcionários estão acampados na porta da empresa, em protesto:

- Ficar em casa é complicado, você fica pensando nas contas a pagar.

COLABOROU Ronaldo D"Ercole