Título: A ruptura do crescimento
Autor: Rodrigues, Luciana; Casemiro, Luciana
Fonte: O Globo, 11/03/2009, Economia, p. 19

PIB cai 3,6% no quarto trimestre de 2008, maior redução desde o Plano Collor.

Um tombo forte e generalizado. A crise internacional atingiu em cheio a economia brasileira que, depois de pisar fundo no acelerador ao longo da maior parte do ano passado, puxou o freio de mão no último trimestre. O Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de todos os bens e serviços produzidos pelo país) caiu 3,6% entre outubro e dezembro, frente ao trimestre anterior, já com ajuste sazonal. O dado ficou abaixo das projeções mais pessimistas. Foi o pior desempenho desde o quarto trimestre de 1990, quando o país vivia a recessão pós-Plano Collor.

Mesmo com a queda recorde do fim do ano, o PIB brasileiro fechou 2008 com expansão de 5,1%, somando R$2,9 trilhões. A renda per capita do brasileiro cresceu 4%, para R$15.240.

Se não fossem os números negativos do quarto trimestre - quando houve queda em todos os setores da economia, à exceção da administração pública - o Brasil fecharia 2008 com um crescimento do PIB superior a 6%. Mas a crise internacional, que chegou a ser classificada pelo presidente Lula como uma "marolinha", asfixiou a produção da indústria (que caiu 7,4%), congelou investimentos (-9,8%), cortou o consumo das famílias (-2%) e, na previsão de muitos analistas, pode mergulhar o país numa recessão.

- O ano foi, claramente, dividido em duas partes, antes e depois da crise. O quarto trimestre foi um momento fora de qualquer padrão - afirmou Roberto Olinto, coordenador de Contas Nacionais do IBGE.

- Nos nove primeiros meses do ano, a expansão média foi de 6,4% (frente ao mesmo período de 2007). Essa taxa desacelerou para pouco mais de 1% no último trimestre. Realmente, houve uma ruptura - disse Rebeca Palis, gerente de Contas Trimestrais do IBGE.

Os dados ruins do fim do ano ofuscaram o excelente desempenho dos investimentos no acumulado de 2008. A formação bruta de capital fixo (investimentos que incluem, além da produção de máquinas e equipamentos, a construção civil) teve alta de 13,8% em 2008, a maior desde 1996. Com isso, a taxa de investimento do país ficou em 19% do PIB, a maior desde 2000.

Os gastos das famílias, por sua vez, registraram o quinto ano seguido de alta. E, se fossem descontadas das estatísticas do PIB as exportações e importações, a economia brasileira teria expansão de 7,4% no ano passado - esse foi o tamanho da demanda interna. Apesar da crise, o setor bancário continuou em franca expansão no último trimestre: a intermediação financeira cresceu 4,9% frente ao quarto trimestre de 2007.

Mas a crise internacional provocou uma sucessão de recordes negativos no fim do ano. Os investimentos, que haviam crescido 8,4% no terceiro trimestre (frente aos três meses anteriores, descontados efeitos sazonais), recuaram 9,8% nos últimos três meses do ano, no pior desempenho da série do IBGE. A indústria, com queda de 7,4%, teve o pior resultado desde o quarto trimestre de 1996.

E a crise também cria um cenário nebuloso para 2009. Com a retração de 3,6%, este ano já se inicia com um PIB negativo de 1,5%, calcula Francisco Faria, da LCA Consultores. Ele explica que este é o chamado carry over: se a economia não crescer nada nos próximos trimestres, fechará 2009 em -1,5%.

- Até o terceiro trimestre o carry over era de 6,1%. Se a trajetória dos primeiros trimestres tivesse se mantido no quarto, o PIB de 2008 poderia ter chegado a 7% - destacou Leonardo Carvalho, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

A queda do PIB no último trimestre de 2008 foi a pior da atual série histórica do IBGE, de 1996. Mas, segundo Faria, considerando a série anterior, que remonta à década de 80, foi o maior recuo desde 1990. E, se o Brasil divulgasse suas estatísticas do mesmo modo que os EUA - onde os dados trimestrais são anualizados - a retração no último trimestre teria sido de 15,2%.

- Ocorreu no Brasil o que está ocorrendo em todo mundo. Há uma crise de incerteza, com paralisia nas operações de crédito e no comércio externo, que deixa cicatrizes na economia real, como vimos no desemprego - diz Faria.