Título: Esforço frustrado
Autor: Paloma Oliveto
Fonte: Correio Braziliense, 24/03/2009, Brasil, p. 09

Presos brasileiros tentam estudar, mas apenas 18% deles têm acesso a algum tipo de educação. Missão apoiada pela Unesco

Como todo educador, a professora Delzair Amâncio da Silva orgulha-se dos avanços de seus alunos. Alguns chegaram a ela analfabetos e hoje cursam o ensino superior. A professora do primeiro segmento da Educação de Jovens e Adultos (EJA), porém, lamenta não poder fazer mais. Ela só consegue atender 22 estudantes de uma população de 3 mil encarcerados na Papuda. Há 11 anos dando aulas a presidiários, Delzair conta que a demanda por educação é muito maior do que a oferta. ¿Infelizmente, por várias limitações, não conseguimos atender todos os que querem estudar¿, diz.

A constatação não é isolada. Somente 18% dos presidiários brasileiros, de acordo com o Ministério da Justiça, têm acesso a algum tipo de educação ¿ não necessariamente a formal. Uma aula de pintura ministrada por voluntários, por exemplo, já entra na estatística. São números que preocupam a Relatoria Nacional para o Direito Humano à Educação, que apresenta, amanhã, a situação do ensino nas prisões brasileiras à Câmara dos Deputados. A missão, que teve apoio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), visitou 10 unidades prisionais de São Paulo, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Pará e fez 200 entrevistas entre setembro de 2008 e fevereiro deste ano.

A versão definitiva do relatório deverá ficar pronta no fim de abril e fará parte do Informe Mundial da ONU sobre o assunto. O documento preliminar, entretanto, já traça um panorama drástico do ensino atrás das grades. ¿Em todas as unidades prisionais que visitamos, tinha fila de espera de presos que queriam estudar. Há muito interesse, mas muita dificuldade no acesso¿, diz Denise Carreira, relatora nacional para o Direito Humano à Educação. Muitos detentos, conta, tiveram despertado dentro da cadeia o interesse pelos estudos. Não devido ao ócio, mas porque, segundo Denise, querem sair dali ressocializados. ¿Esse é um Esforço que tem de ser muito valorizado¿, diz.

Os presos, porém, esbarram em diversas dificuldades. Uma delas é o preconceito dos agentes penitenciários. Os membros da missão encontraram diversos casos que Denise Carreira chama de ¿boicote¿. Como forma de repreender os presos por causa dos conflitos que ocorrem nas unidades, alguns agentes demoram a autorizar a entrada e a saída dos professores, interferem no conteúdo ministrado nas aulas e chegam a realizar blitzes para destruir materiais e trabalhos escolares. De acordo com a relatora, existe uma mentalidade de que a educação é um privilégio para os presos.

¿No Brasil, o preso tem seu direito à educação violado¿, diz o assessor jurídico da Pastoral Carcerária, José de Jesus Filho. Para ele, o principal problema está na falta de atuação articulada entre ministérios, governos estaduais e secretarias de administração penitenciária. ¿O que se tem hoje são projetos-pilotos, experiências. Mas, como um todo, o Estado não tem um plano de educação voltado à reintegração social¿, acusa.

-------------------------------------------------------------------------------- Em todas as unidades prisionais que visitamos, tinha fila de espera de presos que queriam estudar

Denise Carreira, relatora nacional para o Direito Humano à Educação

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O número 22 dos 3 mil presos da Papuda são atendidos pelo programa de Educação de Jovens e Adultos

-------------------------------------------------------------------------------- Conflitos permanentes

O assessor jurídico da Pastoral Carcerária, José de Jesus Filho, acredita que as políticas de educação no sistema prisional deveriam se focar mais no detento que está prestes a terminar de cumprir pena. Para ele, a falta de diálogo entre as diversas instâncias do poder atrapalha o processo, que seria mais fácil caso a educação do egresso ficasse a cargo diretamente do Ministério da Educação. ¿Primeiro, tem de se ter um olhar mais realista. Depois de constatar as adversidades é que podemos pensar em soluções¿, afirma.

O diretor de políticas de Educação de Jovens e Adultos do Ministério da Educação, Jorge Teles, diz que os conflitos entre as secretarias de Educação e de Administração Penitenciária foram identificadas em seminários sobre o tema realizados pelo MEC. Ele conta que havia discordância, por exemplo, sobre o horário das aulas e o acesso dos educadores em épocas de rebelião.

Porém, com capacitação e trabalho conjunto dos atores envolvidos, houve êxito no projeto-piloto Educando para a Liberdade, que envolveu 12 estados. A experiência virou política pública e, nos Planos de Ação Articuladas (PAR) assinados por municípios com o ministério, já foram feitos pedidos de apoio técnico e financeiro. ¿Educação é para todos, não só para alguns¿, diz Timothy Ireland, especialista em educação de adultos da Unesco no Brasil. (PO)

revela que um dos principais problemas é o preconceito de agentes penitenciários