Título: Enfim, o dia da caça
Autor: Werneck, Antônio; Brandão, Tulio
Fonte: O Globo, 12/03/2009, Rio, p. 12

PF prende 72 acusados de integrar quadrilha internacional de tráfico de animais.

Com um lucro estimado no ano passado em cerca de R$20 milhões e pelo menos meio milhão de aves e mamíferos capturados em unidades de conservação no Rio e em outros estados brasileiros, uma quadrilha acusada de tráfico internacional de animais silvestres, que atuava há pelo menos cinco anos, foi desarticulada ontem pela Polícia Federal. A partir da Feira de Caxias, realizada aos domingos, os agentes descobriram uma rede de caçadores e atravessadores formada por homens e mulheres espalhados por oito estados brasileiros, com ramificações na República Tcheca, na Suíça e em Portugal. Até filhotes de onças-pintadas eram negociados.

A operação começou às 6h, depois de a Justiça Federal expedir 98 mandados de prisão e de busca e apreensão. Até o início da noite, 72 pessoas já haviam sido capturadas no Rio (na capital e em cidades como Angra dos Reis e Paraty), no Pará, no Rio Grande do Sul, em São Paulo, Minas Gerais, na Bahia, em Sergipe e no Maranhão. Para a Interpol, foram enviados mandados de prisão para cinco estrangeiros, moradores da República Tcheca (três), da Suíça (um) e de Portugal (um). Batizada de Oxóssi (orixá da caça), a operação está sendo considerada pela PF a maior do gênero já realizada no país. Cerca de 450 policiais foram mobilizados.

Policiais fariam a segurança do grupo

No Rio, cinco PMs foram presos na Baixada Fluminense, acusados de caçarem e negociarem animais, além prestarem serviços de segurança à quadrilha. Em Caxias, os agentes capturaram Ana Rita de Oliveira, de 68 anos, considerada uma das maiores comerciantes de animais silvestres do estado. Com passagens pela polícia, ela chegou a ficar 20 dias presa, acusada do mesmo crime no ano passado. Em Angra e Paraty, 13 caçadores que atuavam no Parque Nacional da Bocaina foram presos. A PF apreendeu cerca de mil aves e jabutis.

A prisão mais importante foi a do tcheco Tomas Novotny, de 43 anos, no condomínio Americas Park, na Avenida Malibu, na Barra da Tijuca. Ele é apontado como o elemento de ligação da quadrilha com receptadores no exterior.

- Estou sendo surpreendido. Não fiz nada, sou inocente e vou procurar um advogado - disse Novotny, que, em 2006, foi condenado na República Tcheca por fraudes cometidas em 2003.

Segundo a Polícia Federal, aves e ovos eram enviados do Rio, de avião, para países da Europa e da Ásia, em operações coordenadas por Novotny. Existe a suspeita de conivência de servidores públicos, incluindo policiais federais, lotados no Aeroporto Internacional Tom Jobim. Eles facilitariam a passagem da carga pelo controle do aeroporto. Ainda de acordo com as investigações, funcionários de empresas de ônibus participam do esquema ajudando no transporte clandestino dos bichos de outros pontos do estado ou do país para o Rio. Com sua cumplicidade, os animais são transportados nos compartimentos de carga dos veículos, em viagens intermunicipais ou interestaduais.

Os policiais identificaram também o envolvimento de Novotny e seu grupo de colaboradores com um suposto esquema de tráfico de mulheres. Elas seriam cooptadas no Brasil com falsas promessas e enviadas para a Europa para se prostituírem.

O delegado Alexandre Saraiva explicou que a quadrilha captura os espécimes no interior do estado e em outros pontos do país, atendendo a encomendas de traficantes de animais no Rio. Grande parte dos bichos é caçada no Parque Nacional da Bocaina e em outras unidades de conservação em estados como o da Bahia. Segundo o delegado, os caçadores agem com extrema crueldade. Em muitas casos, chegam a arrancar as asas de pássaros de pouco valor no mercado que caem nas armadilhas por engano.

Postos em grandes quantidades num espaço mínimo e submetidos a longas horas de viagens, milhares de pássaros morreram no ano passado nas mãos dos traficantes quando eram levados para o Rio. Pelos cálculos dos policiais federais, de cada mil aves transportadas e apreendidas no Rio, 20% chegaram ao fim da viagem mortas.

A série de reportagens "A impunidade é verde", publicada no GLOBO em março de 2008, revelou que a cada 12 minutos um animal era retirado das matas para ser vendido em feiras livres do Rio ou exportado com notas frias pelo Aeroporto Tom Jobim. Mostrou ainda que os agressores do meio ambiente não ficam presos, já que as penas da Lei de Crimes Ambientais são demasiadamente brandas: 99% das ações são extintas, sem condenação, ainda em primeira instância. Na época, não havia no Rio qualquer preso condenado por crime ambiental.

Na operação de ontem, a PF encontrou pássaros famintos, em gaiolas improvisadas e pequenas.

- Com esta operação, conseguimos pela primeira vez, e de forma inédita, mapear todas as fases do tráfico de animais silvestres no país. Da captura, passando pelo transporte até o armazenamento e a comercialização. A Feira de Caxias era a grande receptora de animais - afirmou Saraiva.

Iniciada em janeiro do ano passado, a operação identificou braços da quadrilha atuando também, além da de Caxias, nas feiras de Honório Gurgel e Areia Branca, em Belford Roxo. Entre os animais mais negociados, estão aves, jiboias, onças-pintadas, veados-mateiros e macacos-prego.

- Vamos recomendar que o relatório da operação seja enviado para todos os estados. Queremos que eles aprofundem as investigações - afirmou o procurador da República Renato de Freitas Souza Machado.