Título: Solução distante
Autor: Rodrigues, Luciana
Fonte: O Globo, 12/03/2009, Economia, p. 23

Toda crise econômica tem suas sementes plantadas em época de prosperidade. A presente decorre do excesso de entusiasmo provocado por uma combinação de excelentes novidades, anteriormente surgidas. Caberia citar: a) o fim da chamada "grande inflação"; b) a queda extraordinária e continuada dos juros; c) o aperfeiçoamento do controle monetário; d) a menor volatilidade das economias; e) o fortalecimento dos bancos internacionais; f) o fluxo de poupanças asiáticas para os EUA; g) o viés baixista de juro de Greenspan; h) avanço nas comunicações; i) integração dos mercados.

O crédito tornou-se farto e barato, enquanto ações e imóveis se valorizavam. Cresceu o estoque de riqueza. Sentindo-se mais ricas, as famílias foram às compras. Recursos financeiros abundantes, economias estáveis, inflação baixa, e a globalização estimulavam a produção e os investimentos.

Houve exageros. Em tempo de prosperidade, consumidores, empresários e banqueiros ficam otimistas. Apostas erradas são feitas. A idéia de que certos bens e mercadorias terão alta incontida de cotações torna-se corriqueira. A reviravolta recente começou quando se percebeu o erro da premissa. Atingido certo "limite natural", os preços dos imóveis nos EUA cederam.

No ajuste, duas variáveis fundamentais foram seriamente afetadas: o capital dos bancos e a riqueza das famílias. A situação dos primeiros se deteriorou, pois as perdas se generalizaram. A riqueza das famílias encolheu porque as cotações das ações também desabaram. Tais fenômenos tornaram-se universais.

O Brasil não escapou do abalo nas variáveis mencionadas. Na verdade, houve retração generalizada do crédito. A destruição de riqueza gerou encolhimento da demanda. O comércio mundial está em declínio.

Os dados do PIB do fim de 2008 - queda de 3,6%, na margem - revelam contração das exportações (2,9%), dos investimentos (9,8%) e do consumo das famílias (2,0%). As vendas externas diminuem porque os consumidores têm preferido poupar mais e comprar menos, para recuperar pelo menos parte do patrimônio perdido. A retração dos investimentos se explica pelas incertezas, pelo encolhimento dos mercados e pela falta de crédito e mercado de capitais. E o consumo das famílias caiu porque, também aqui, elas se sentem mais pobres. Ameaça de desemprego constitui importante fator de inibição do consumo.

Os efeitos da crise internacional sobre o Brasil podem ser amenizados, mas solução definitiva somente quando, lá fora, for possível recuperar a saúde dos bancos e a riqueza das famílias se elevar. Lamentavelmente, não há indício de que isto esteja para acontecer. Na fase anterior, as famílias ficaram mais ricas devido a uma inusitada combinação de fatores. Preços de ações e de imóveis não sobem pela vontade de governantes. A desejada recuperação vai demorar.

Quanto aos bancos, a encrenca é enorme. Em alguns países, o rombo é expressivo demais para comportar solução governamental. Isto talvez não se aplique aos EUA, mas justificada irritação com o sistema financeiro e preferência por outras destinações para o dinheiro público têm impedido que se apresse a solução do problema.

Não é boa a perspectiva da economia brasileira. Possivelmente, em 2009, o PIB cairá. Ao Banco Central, resta dar continuidade à redução do juro. A queda de 150 pontos é mais do que justificável. Mas é preciso não esquecer: a força contracionista é externa. Por esta razão, o afrouxamento da política monetária consegue apenas amenizar nossos problemas, sem, porém, solucioná-los.

JOSÉ JÚLIO SENNA é sócio-diretor da MCM Consultores e ex-diretor do Banco Central