Título: Repressão não atinge efeito esperado
Autor: Berlinck, Deborah
Fonte: O Globo, 12/03/2009, O Mundo, p. 30
Comissão Latino-Americana propõe tratar questão como tema de saúde pública
VIENA. As políticas de repressão ao tráfico de drogas baseadas na criminalização do consumo não produziram resultados esperados, avalia o relatório da Comissão Latino Americana sobre Drogas e Democracia, divulgado ontem durante a reunião da ONU, em Viena. O relatório "Drogas e democracia: rumo a uma mudança de paradigma" sugere uma revisão das estratégias atuais, defende a política de redução de danos e avalia a descriminalização do porte da maconha.
O relatório é o resultado de um ano de estudos, entrevistas e debates e propõe tratar a dependência como um problema de saúde pública. Sugere também ações de informação e prevenção para reduzir o consumo e concentrar a repressão sobre o crime organizado, cuja infiltração ameaça instituições democráticas e fomenta a corrupção de funcionários públicos, do sistema judicial e da polícia.
"O modelo atual de política de repressão de drogas está firmemente arraigado em preconceitos, temores e visões ideológicas. O tema se transformou num tabu que inibe o debate público", diz o documento. "Romper o tabu, reconhecer os fracassos das políticas vigentes e suas consequências é uma condição prévia à discussão de um novo paradigma de políticas mais seguras, eficientes e humanas", acrescenta.
Maconha é a droga mais usada na região
De acordo com o relatório, políticas eficientes e fundamentadas nos direitos humanos "implicam reconhecer a diversidade das situações nacionais, assim como priorizar a prevenção e o tratamento", sem no entanto negar a importância das ações repressivas para fazer frente ao crime organizado.
A comissão sugere examinar as deficiências da estratégia proibicionista seguida pelos Estados Unidos e as vantagens e os limites da estratégia da redução de danos seguida pela União Europeia - uma política que trata o consumo como uma questão de saúde pública, na qual o dependente é visto como uma pessoa que precisa de tratamento, e não um criminoso. O objetivo original dos países que adotaram essa estratégia foi regulamentar a distribuição de seringas e agulhas para usuários de drogas para evitar a contaminação por HIV ou hepatite. Depois, essa política passou a incluir programas de apoio e tratamento de dependentes.
"A política europeia de focalizar a redução de danos causados pelas drogas como um assunto de saúde pública, mediante o tratamento dos usuários, mostra-se a forma mais humana e eficiente", diz o relatório.
O documento ressalta que seu enfoque não é de tolerância com as drogas. Ele sugere avaliar sob o enfoque da saúde pública a conveniência de descriminalizar o porte de maconha - a droga mais usada na América Latina - para uso pessoal, ressaltando que isso precisaria ser acompanhado por uma política de informação e prevenção para não aumentar o consumo. O relatório sugere ainda reorientar as estratégias de repressão ao cultivo de drogas ilícitas, propondo que os esforços de erradicação sejam associados à adoção de programas de desenvolvimento alternativos.
O relatório destaca que a América Latina é o maior exportador mundial de cocaína e maconha e se converteu numa produtora crescente de ópio e heroína, iniciando também a produção de drogas sintéticas. Colômbia, Peru e Bolívia produzem a totalidade da oferta mundial de cocaína. Enquanto o nível do consumo de drogas parece se estabilizar na América do Norte e na Europa, ele continua crescendo na região.
Aumenta área de cultivo ilegal na Colômbia
Ele cita a Colômbia como um claro exemplo das limitações da política repressiva promovida pelos EUA, cujos resultados não correspondem aos gastos e custos humanos, observando que voltaram a aumentar a área de cultivo ilegal e o fluxo de drogas entre o país e a região andina. Destaca ainda que o México se tornou outro foco de violência de grupos de traficantes.
A comissão, criada pelos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso, do Brasil; César Gaviria, da Colômbia; e Ernesto Zedillo, do México, é integrada ao todo por 17 pessoas, incluindo o escritor peruano Mario Vargas Llosa, o argentino Tomás Eloy Martinez e o brasileiro João Roberto Marinho, vice-presidente das Organizações Globo.
Em fevereiro, durante uma reunião no Rio de Janeiro, os três ex-presidentes já haviam defendido uma revisão na política mundial de drogas e lançado um documento pedindo descriminalização da maconha.