Título: Pegue uma senha F e ...
Autor: Neves, Tânia
Fonte: O Globo, 13/03/2009, Opinião, p. 7

Sabe aquela promessa de concessão de aposentadoria em meia hora feita recentemente pelo presidente Lula ao trabalhador?

A todo momento lembrada em forma de piada, era o segundo mais poderoso instrumento desanuviador de estresse segunda-feira passada nas filas do posto de atendimento do INSS no bairro carioca de Campo Grande.

O primeiro era o bom humor do vigilante que organizava a fila principal.

- Agora vê! Ela nem me deixou abrir a boca e já mandou ir pra fila pegar senha pra só depois pedir informação. Que mulher grossa! - queixava-se o rapaz de braço quebrado, sendo logo abordado pelo vigilante:

- Fala pra mim, meu querido, o que ela te disse pra fazer? Deixa que eu te oriento, pode deixar que eu venho atrás só pra garantir que vai dar tudo certo pra você - contemporizava.

O rapaz se desarmou e até riu quando o vigilante confirmou que era isso mesmo: fila para pegar senha para depois entrar em outra fila - e a partir daí esperar muito, muito mais do que meia hora num ambiente sem ar-condicionado ou ventilador, com as poucas janelas escancaradas e por onde entrava o sol escaldante de quase meio-dia.

O rapaz, trabalhador autônomo, queria informações sobre como dar entrada num pedido de auxílio-doença por acidente de trabalho, e começou a trocar figurinhas com uma senhora na fila.

Experiente, ela contava que estava comparecendo pela quarta vez em um mês para atender às exigências de seu pedido de auxílio-doença.

Lamentava que nunca as exigências eram apresentadas todas da mesma vez, surgindo uma nova pendência a cada ocasião em que ela imaginava que a documentação estaria toda certa.

Nessa hora senti que éramos personagens do mesmo conto surrealista.

Ao lado da minha mãe, de 82 anos, eu encarava aquela maratona pela quarta vez em quatro meses.

Tentava fazer com que o INSS pagasse o benefício dela referente ao mês de setembro, que não foi sacado dentro do prazo por falta de cartão magnético (a Caixa Econômica Federal há seis meses não entrega o novo cartão), e acabou sendo recolhido aos cofres do INSS em novembro.

Desde então, requeremos esse pagamento por três vezes, e o INSS insiste em não pagar.

Nesta última visita, descobrimos que agora o caso "caiu em exigência em Irajá", o que significa, segundo a jovem que nos atendeu, que será preciso montar um processo e enviar o papelório para Irajá, para ser examinado. E se for parar depois em Brasília... Aí é que vai demorar mesmo, ela diz.

Tudo isso para o INSS analisar se minha mãe tem direito a receber tal parcela. E eu pergunto: por que não teria?

Se ela continuou nos meses seguintes indo pessoalmente ao banco sacar seu benefício, é a prova de que continua viva. Ou imaginam os burocratas do INSS que, em setembro, minha mãe deu uma "morridinha básica" e em outubro ressuscitou, e por isso não teria direito àquela mensalidade?

Tudo é possível. É possível até que tudo isso esteja acontecendo justamente por causa da tal aposentadoria em meia hora. Afinal, se essa promessa do presidente se tornar mesmo realidade, do que vão se ocupar os servidores do INSS sem aquelas filas quilométricas e a circulação de papel para lá e para cá? Então, é melhor ir logo cevando uns bons processos para correrem entre as repartições e darem o que fazer no futuro.

Como sou otimista, conto que desta vez tudo vai se resolver: a Caixa Econômica Federal vai finalmente entregar o novo cartão magnético da minha mãe e o INSS vai liberar a parcela da aposentadoria referente a setembro do ano passado. E em abril eu não estarei de novo naquela fila para pegar a tal da senha "F" e mais uma vez ter que implorar pelo óbvio. Ou vou começar a desconfiar que essa letra F da senha é de...

TÂNIA NEVES é jornalista.