Título: Escândalo foi da tapioca ao dossiê
Autor: Alvarez, Regina
Fonte: O Globo, 16/03/2009, O País, p. 3
O escândalo do cartão corporativo no governo federal, que estourou no início do ano passado, provocou a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Congresso, derrubou a então ministra da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro, e obrigou os ministros Orlando Silva (Esportes) e Altemir Gregolim (Pesca) a devolver dinheiro aos cofres públicos.
Matilde gastou cerca de R$170 mil no cartão para pagar, entre outras despesas, aluguel de carro e compras num free shop. Ela deixou o cargo no dia 1º de fevereiro do ano passado. Uma das despesas de Orlando Silva que foram pagas com o cartão acabou se transformando em motivo de chacota: a compra de uma tapioca em Brasília.
O governo agiu para mudar as regras do uso de cartão, numa tentativa de eliminar fraudes, proibindo saques, pagamento de passagens aéreas e diárias, mas não impediu que o escândalo chegasse ao gabinete da chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. A secretária-executiva da Casa Civil e braço direito de Dilma, Erenice Guerra, foi acusada de coordenar a elaboração de um dossiê com gastos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, da ex-primeira-dama Ruth Cardoso (morta no ano passado) e de ministros para constranger a oposição e esvaziar as denúncias de mau uso do cartão corporativo.
O dossiê caiu nas mãos da oposição, mas a ministra se defendeu dizendo que a Casa Civil estava organizando um banco de dados com gastos do governo Luiz Inácio Lula da Silva e de governos anteriores. Dilma teve de ir ao Senado, na Comissão de Infraestrutura, dar explicações.
Ao final, investigações internas do governo e da Polícia Federal (PF) concluíram que o dossiê vazou do computador do então secretário de Controle Interno da Casa Civil, José Aparecido Nunes Pires, que foi demitido e voltou para o Tribunal de Contas da União (TCU). O dados foram repassados para André Eduardo da Silva Fernandes, assessor do senador Álvaro Dias (PSDB-PR).
A CPI chegou a levantar indícios de tráfico de influência no uso dos cartões corporativos por parte de servidores ocupantes de cargos de confiança no governo federal. Alguns dos portadores do cartão estavam no quadro societário de empresas beneficiadas com os pagamentos. Os parlamentares da CPI "caçaram" gastos exóticos do governo Lula e de governos passados, mas os trabalhos, após três meses, foram encerrados sem o indiciamento de nenhum dos envolvidos. As irregularidades foram consideradas "enganos" no relatório final de 936 páginas, do deputado petista Luiz Sérgio (RJ), aprovado por 14 votos a favor e sete contra.