Título: Mantega defende a estatização de bancos no mundo para conter a crise
Autor: Scofield Jr., Gilberto; Melo, Liana
Fonte: O Globo, 16/03/2009, Economia, p. 15
Para ministro, Brasil pode ser exemplo, por ter instituições estatais lucrativas.
NOVA YORK e RIO. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou ontem em Nova York que o Brasil defende a estatização dos bancos como a melhor e mais rápida ferramenta para os países enfrentarem a crise em seus sistemas bancários. Os Estados Unidos são resistentes à proposta, o que mostra como será difícil chegar a uma convergência entre os dois países, que se comprometeram a apresentar uma proposta comum contra a crise na reunião dos líderes do G-20, marcada para abril, em Londres.
Mantega, que chegou ontem em Nova York vindo do encontro de ministros do G-20, na Inglaterra, afirmou que ainda terá que conversar com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para saber como será a dinâmica deste processo de convergência. Questionado sobre se haverá tempo para fechar uma proposta comum, considerando que faltam apenas duas semanas para o encontro, Mantega foi irônico:
- Há pontos convergentes e divergentes entre o Brasil e os EUA. E ainda que tenhamos muito tempo, apenas duas semanas para trabalhar 24 horas por dia até chegarmos a uma proposta de consenso, acredito que todos os países no mundo caminham para soluções comuns, mesmo que não sejam as ideais para o momento.
Para Mantega, a ideia da nacionalização dos bancos ajudaria a acabar com as desconfianças de correntistas e empresas sobre a saúde e a solvência do sistema financeiro no curto prazo.
Analistas destacam protagonismo do Brasil
Outra proposta que também está sendo discutida é a criação do chamado "banco ruim", que compraria ativos podres de instituições em dificuldades. O ministro admitiu, no entanto, que esta proposta é mais demorada e complicada, pois exige que se definam parâmetros para cálculos dos ativos podres nos bancos e que as próprias instituições revelem quanto carregam em títulos ruins em suas carteiras.
- Nós fizemos isso em 2002 e o mercado sofreu, porque isso revela o quanto os bancos estão vulneráveis. Nós precisamos desmistificar, especialmente para os EUA, esse medo da estatização, como se isso fosse necessariamente ruim. O Brasil tem experiência para dividir neste sentido, pois o governo é dono de bancos estatais lucrativos e produtivos - afirmou.
Outro questão a ser resolvida, segundo Mantega, é a nova arquitetura de poder dentro do FMI, que encontra enorme resistência de pequenos países da União Europeia. A alternativa será deixar esta discussão para mais tarde e usar um fundo já existente do FMI - o New Arrangements to Borrow (NAB, sigla em inglês) -, no qual os aportes de recursos dos países funcionariam como uma espécie de aplicação, e todos os países que aportassem recursos teriam o mesmo poder de decisão sobre o destino dos recursos. A China apoia a ideia.
Para economistas e especialistas em relações internacionais, a ação conjunta de Brasil e Estados Unidos é a prova de que o protagonismo brasileiro vem crescendo a nível internacional. Porém, o anúncio do grupo bilateral foi entendido muito mais como um gesto diplomático do que como uma possibilidade de medidas concretas. A maior dificuldade é, segundo o ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos Rubens Barbosa, o fato de Lula e Obama estarem engessados pelo documento aprovado na reunião preparatória do G-20, na Inglaterra.
- Foi apenas um gesto de boa vontade - avalia Barbosa, presidente da consultoria Rubens Barbosa & Associados e diretor da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
O embaixador Rubens Ricupero, ex-secretário-geral da Conferência das Nações Unidas Sobre o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad) e hoje diretor da Faap, acredita numa parceira entre os dois países, mas chama atenção que Brasil e EUA têm divergências sérias e, muitas delas, intransponíveis.
(*) Enviado especial a Nova York