Título: Caderneta na mira do governo
Autor: Rodrigues, Luciana; Duarte, Patrícia
Fonte: O Globo, 14/03/2009, Economia, p. 29

Cálculo do rendimento da poupança pode mudar para que não supere o de fundos de investimento.

O corte de juros feito pelo Banco Central (BC) esta semana - e a perspectiva de que o Brasil deverá, enfim, conviver com a taxa básica Selic em seu menor nível histórico - deve forçar o governo a mudar as regras da mais tradicional das aplicações financeiras: a caderneta de poupança. Atualmente, a poupança tem seu rendimento atrelado à Taxa Referencial (TR). E, com a taxa básica de juros Selic cada vez menor, a rentabilidade da caderneta tem ficado muito próxima à dos fundos de renda fixa e DI. Existe, assim, a ameaça de uma forte migração de recursos desses fundos para a caderneta - o que provocaria desequilíbrios no sistema financeiro nacional.

Com a Taxa Selic atualmente de 11,25% ao ano - de volta ao nível recorde em que vigorou de setembro de 2007 a março de 2008 -, o investidor já obtém um ganho líquido (descontada a taxa de administração e o Imposto de Renda) maior na poupança do que em fundos de renda fixa que cobrem taxa de administração superior a 2% ao ano. A caderneta está pagando 0,58% ao mês, enquanto o rendimento líquido de um fundo com taxa de administração de 3,5% ao ano, por exemplo, está em 0,48%, numa aplicação por um período superior a seis meses, segundo cálculos do matemático José Dutra Vieira Sobrinho. Em fundos com taxa de 2%, o ganho é igual: 0,58%. Vale lembrar que a grande maioria dos fundos de varejo, ou seja, com aplicação mínima de até R$5 mil, cobra taxas superiores a 2% ao ano.

Para evitar uma fuga desses fundos rumo à poupança, está sendo analisada pelo Banco Central (BC) e pelo Ministério da Fazenda a possibilidade de trocar a Taxa Referencial (TR) por uma parte da Selic como indexador da caderneta.

Encargos de fundos devem cair

Na última vez em que os juros básicos chegaram a este patamar, em 2007, o BC alterou a forma de cálculo da TR. Hoje, o cenário é diferente, porque a avaliação da equipe econômica é a de que não há espaço para novas reduções na TR. Essa taxa já está muito baixa e uma nova mudança no método de cálculo poderia fazer a rentabilidade da poupança ficar negativa, o que é proibido por lei.

Além disso, ao contrário do que ocorreu em 2007, quando os juros básicos voltaram a subir, a perspectiva agora é de que Selic continue sendo reduzida. Então, mexer na fórmula de cálculo da TR seria apenas adiar o problema. O que está sendo discutido agora é retirar a TR da fórmula de correção da poupança.

Para o investidor, a boa notícia é que, com a caderneta cada vez mais competitiva, os bancos serão forçados a reduzir a taxa de administração dos fundos. Afinal, a poupança é isenta do pagamento de Imposto de Renda (IR) e ainda é protegida pelo Fundo Garantidor de Crédito, sistema que garante, em caso de quebra da instituição financeira, até R$60 mil por CPF (depositados em conta corrente ou investidos em poupança e CDBs, além de letras de câmbio, hipotecárias e imobiliárias).

As contas do matemático Dutra mostram ainda que, se o BC fizer um novo corte de 0,75 ponto percentual na Selic, para 10,5% ao ano, a poupança passará a render mais até do que os fundos que cobram taxa de administração de 1,5% ao ano. No mercado, as apostas são de que o BC fará um corte maior nos juros, entre 1 e 1,5 ponto percentual, na próxima reunião de seu Comitê de Política Monetária (Copom), em 29 de abril.

- Os bancos terão que rever as taxas de administração dos fundos, será inevitável - diz Dutra.

E o risco de uma migração em massa de recursos dos fundos para a caderneta é um problema não só para os bancos, como também para governo e para consumidores.

- Essa migração criaria um desequilíbrio. Em primeiro lugar, porque os fundos são os grandes compradores de títulos públicos, então o governo encontraria mais dificuldade para financiar sua dívida. E, em segundo lugar, porque o dinheiro da poupança é direcionado à habitação. Hoje, os bancos usam os recursos dos fundos para emprestar a seus clientes nas linhas de crédito pessoal, de automóveis etc. Mas, se os bancos passarem a captar principalmente via poupança, terão que destinar 65% disso ao financiamento habitacional, e haverá menos disponibilidade de crédito nas demais modalidades - explica Miguel Ribeiro de Oliveira, assessor econômico da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac).

Mudança terá que passar no Congresso

No mercado financeiro, é dada como certa uma alteração nas regras que regem a remuneração da poupança. Alexandre Póvoa, diretor da Modal Asset Management, lembra que a caderneta é, atualmente, o único ativo financeiro ainda indexado no Brasil. E, com a queda da Selic, poderá haver uma migração de recursos não só dos fundos como também dos investimentos em CDBs, estima Póvoa.

- Mexer na poupança é sempre um tema delicado, mas não há outra opção. Talvez o melhor caminho seja acabar com a indexação à TR - avalia Póvoa.

Dutra cita outra opção: alterar a parcela de juros da poupança, que rende TR mais 0,5% ao mês:

- O governo terá que mudar esse 0,5% ou alterar o cálculo da TR, pois a atual fórmula é complicadíssima. O Banco Central terá 45 dias (até a próxima reunião que poderá levar a um novo corte de juros) para resolver isso.

Qualquer alteração terá que ser negociada com o Congresso, já que mexeria na lei que trata da poupança. O senador Aloizio Mercadante (PT-SP) diz que ainda é muito cedo para avaliar se o governo teria o apoio dos parlamentares.

Mercadante lembrou que, com a Selic a 11,25% ao ano, os juros reais do país estão um pouco acima de 5%. E, como a tendência é ainda de queda da taxa básica, a poupança deverá ser alterada.

Mudanças na remuneração da aplicação chegaram a ser discutidas pelo presidente do BC, Henrique Meirelles, e um grupo de senadores na última quinta-feira. Na ocasião, porém, o BC não apresentou proposta concreta. Ele teria apenas se mostrado sensível à nova situação e indicou que a autoridade monetária faria alterações.

oglobo.com.br/economia