Título: A manobra Kirchner
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 14/03/2009, O Mundo, p. 38
Presidente argentina antecipa eleições legislativas para evitar que desgaste da crise se aprofunde.
Menos de uma semana depois de ter sofrido a derrota de seus aliados nas eleições legislativas realizadas na província de Catamarca, a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, anunciou ontem sua decisão de enviar ao Congresso um projeto de lei para antecipar de outubro para junho as eleições parlamentares nacionais. Acompanhada pelo marido e antecessor, Néstor Kirchner (que segundo versões extra-oficiais foi o autor intelectual da medida), a presidente aproveitou um ato na província de Chubut, na Patagônia, para comunicar a polêmica iniciativa, duramente criticada pela oposição e rechaçada publicamente pelo vice-presidente Julio Cobos. É provável que Kirchner seja candidato a deputado. O argumento usado por Cristina não surpreendeu:
- Não podemos ter uma série permanente de eleições até 28 de outubro, em meio a uma crise (econômica). Seria quase suicida embarcar a sociedade numa discussão permanente, até outubro.
Segundo analistas, assim como o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, apressou-se em realizar o referendo sobre o projeto de emenda constitucional sobre a questionada reeleição indefinida, o casal Kirchner decidiu antecipar as eleições legislativas para evitar um desgaste maior do governo, em momentos de crise econômica local e internacional. Embora economistas argentinos ainda evitem falar em recessão, nos primeiros dois meses do ano várias empresas foram obrigadas a demitir, antecipar férias e reduzir sua produção.
Além das razões econômicas, o casal K tem também razões políticas para pedir a antecipação. A derrota em Catamarca foi interpretada pelo governo como possível prenúncio de outros fracassos nas sucessivas eleições regionais este ano. A mudança do calendário nacional busca, assim, evitar que outros possíveis resultados adversos prejudiquem o desempenho dos candidatos kirchneristas na eleição nacional, considerada decisiva pelo casal K. A eleição renovará metade da Câmara e um terço do Senado.
Ao mesmo tempo, a Casa Rosada busca boicotar a construção de alianças opositoras, em pleno processo de negociação.
Cristina informou sua decisão um dia depois de o chefe de governo da cidade de Buenos Aires, o líder opositor Mauricio Macri, ter anunciado a antecipação das eleições legislativas na capital do país, também para o próximo dia 28 de junho. No caso da cidade de Buenos Aires, a medida não precisa ser aprovada pelo Legislativo. Macri tem grandes chances de vencer na capital e um dos grandes temores de Kirchner é que o triunfo do atual chefe de governo portenho enfraqueça ainda mais o governo nacional.
- A crise é de uma magnitude enorme e demanda que todos os esforços estejam orientados a sustentar a atividade econômica e o nível de emprego - alegou a presidente.
Oposição repudia a estratégia e faz críticas
Minutos depois, importantes líderes opositores repudiaram a estratégia do governo Kirchner e deixaram claro que não será tão simples para a presidente obter sinal verde do Congresso. A mudança terá que ser aprovada por maioria absoluta: 129 deputados e 36 senadores.
- O governo está destruindo as regras do país - disse Margarita Stolbizer, da Coalizão Cívica, partido comandado pela ex-candidata presidencial Elisa Carrió.
Para Stolbizer, "se existe crise, ela deve ser resolvida com medidas econômicas e sociais, não mudando o calendário eleitoral". A mesma opinião foi defendida pelo vice-presidente Cobos, em nota oficial. "Respeitar o processo eleitoral previsto e vigente" ajudaria a recuperar a confiança, disse o vice. Já o senador Gerardo Morales, da União Cívica Radical (UCR), assegurou que "a medida anunciada por Cristina representa um gravíssimo erro institucional".
- O governo está abrindo um novo conflito, em momentos de crise nacional e mundial. Tudo nos leva a crer que Kirchner pretende desviar a atenção dos problemas reais de nosso país - disse o senador.
Desde que foi derrotado na votação sobre um projeto que modificava os tributos pagos pelos exportadores de grãos, em meados do ano passado, o governo Kirchner passou a ter uma maioria precária na Câmara e no Senado. O revés sofrido pela Casa Rosada no Senado foi possível graças ao voto de Cobos, que é presidente do Senado e, na época, foi o encarregado de desempatar a votação a favor da oposição. Desde então, o governo sofreu uma fuga de aliados, que obrigará a Casa Rosada a negociar para obter a aprovação do projeto. Para o analista Adrián Ventura, do jornal "La Nación", "mais uma vez o governo criou a sensação de que as instituições são um chiclete, que se adaptam às necessidades do governante do momento".
Há uma semana, as necessidades do casal K eram bem diferentes. Ainda em campanha para tentar vencer a eleição de Catamarca, o ex-presidente criticou governos regionais que tinham antecipado suas eleições legislativas.
- Por que antecipam tanto as eleições (provinciais)? Têm medo de perder?- perguntou Kirchner.
Ontem, o ex-presidente argentino defendeu enfaticamente a medida divulgada por Cristina.