Título: Mudanças climáticas e outras
Autor: Palocci, Antonio
Fonte: O Globo, 15/03/2009, Opiniãi, p. 7
Muitos analistas têm criticado as primeiras medidas do governo de Barack Obama na área econômica. Podem ter razão, mas não se pode negar que a situação é bastante complexa. Em assuntos igualmente desafiadores, mas com uma pauta de ação mais clara, o governo americano tem dado sinais positivos. É o caso das políticas para as mudanças climáticas.
O Departamento de Estado anunciou a retomada de um papel ativo nas negociações internacionais sobre o tema. O responsável pelas negociações sobre o clima, Todd Stern, disse, dias atrás, que seu país participará, agora, de modo atuante na elaboração do novo tratado a ser assinado em dezembro em Copenhague.
Este acordo estabelecerá novas metas de redução da emissão de gases de efeito estufa, e o novo governo se mostra disposto a aprofundar as negociações nessa direção. E já admite a inclusão de novos mecanismos financeiros e a promoção de assistência técnica e cooperação com países em desenvolvimento.
Para o secretário britânico para a política de mudanças climáticas, John Ashton, "a questão nº 1 será mostrar a todos que os EUA estão num urgente e transformador caminho para uma economia com baixa emissão de carbono" ("NYT" 1/3/2009). Na sua visita à China, a secretária de Estado, Hillary Clinton, fez do clima o foco central de seus encontros e propôs uma parceria de seu país com o gigante asiático.
Entretanto, existe ainda um longo caminho entre a vontade proclamada de avanços e sua realização. Alguns setores invocam a própria crise econômica para a manutenção de privilégios e subsídios às indústrias de baixa eficiência energética, como é o caso do etanol americano derivado do milho.
Já outros se contentam com a expectativa de que a recessão provoque uma redução da emissão de gases de efeito estufa. O protecionismo que ganhou corpo pelo impacto do desemprego desdobra-se, agora, na defesa de subsídios para indústrias altamente poluidoras ou para barreiras a energias "verdes". A questão é saber como o governo Obama vai enfrentar essas resistências e se posicionar nas negociações.
A resposta à crise econômica vem exigindo o comprometimento de trilhões de dólares do dinheiro público para o incentivo à economia e o resgate de empresas. Talvez esteja aí a oportunidade para mudar substancialmente o paradigma da produção baseada em emissão de carbono.
Nesse ponto, o Brasil está numa posição privilegiada, como principal produtor de etanol carburante de cana-de-açúcar, combustível de baixa emissão e capaz de dar enorme contribuição a essa "nova economia". Enfrentamos, porém, as restrições e barreiras erguidas para preservar interesses setoriais em detrimento do esforço internacional em favor da preservação do planeta.
A produção do etanol de cana não interfere na produção agrícola de alimentos, e o Brasil tem implementado mecanismos para monitorar sua expansão, de modo que nada seja feito em detrimento da preservação das matas e florestas. Temos uma legislação que protege a biodiversidade e a floresta amazônica e que pode ser aprimorada e reforçada para combater o desmatamento. Recentemente, até o "New York Times" defendeu o etanol de cana contra os subsídios à produção de etanol de milho americano.
O Protocolo de Kioto pretendia reduzir a emissão de gases de efeito estufa em pelo menos 5% em relação aos níveis de 1990. Trinta e sete países assinaram o acordo, mas os Estados Unidos, a China e a Índia não o fizeram. A maioria dos países signatários está longe do cumprimento das metas, e os EUA se recusaram a estabelecer qualquer objetivo. O novo tratado a ser delineado neste ano em Copenhague pode ajudar a corrigir as falhas e fixar objetivos e controles mais eficientes.
Um primeiro passo é promover energia menos poluente e incentivar sua expansão, eliminando as barreiras que entravam sua produção em maior escala. Para os países tropicais, a produção de etanol carburante pode ser um caminho importante para vencer os pesados efeitos da crise econômica sobre a renda e o emprego. Se o governo americano de fato transformar em ação sua nova abordagem sobre o tema, os resultados de Copenhague poderão significar um enorme avanço em direção a uma economia ambientalmente equilibrada.
ANTONIO PALOCCI é deputado federal (PT-SP) e foi ministro da Fazenda.
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