Título: As contas que não fecham no Rioprevidência
Autor: Rocha, Carla
Fonte: O Globo, 15/03/2009, Rio, p. 25

Desde 1999, fundo de pensão, segundo maior do país, acumulou déficit de R$12 bilhões, que foi coberto pelo estado.

Segundo maior fundo de pensão do país, perdendo só para o Previ, do Banco do Brasil, o Rioprevidência ficou no centro de problemas financeiros nos últimos anos, o que comprometeu recursos preciosos do estado e pôs em risco o futuro de aposentadorias e pensões de milhares de servidores públicos. Além disso, escândalos de corrupção envolvendo ativos obtidos a partir da contribuição previdenciária dos funcionários estaduais puseram em xeque a credibilidade do órgão, criado em 1999, durante o governo Anthony Garotinho. Um levantamento do GLOBO revela que, desde sua fundação, a entidade somou um déficit financeiro de aproximadamente R$12 bilhões, que precisou ser coberto com recursos do tesouro.

Para dar uma ideia do tamanho do rombo, o valor representa quatro vezes o orçamento da saúde deste ano e três vezes o da segurança. O patrimônio do Rioprevidência ainda está longe do patamar para garantir o pagamento a inativos nos próximos anos. Avaliado em R$50 bilhões, ele precisaria ser de pelo menos R$100 bilhões.

"O fundo foi loteado politicamente", diz deputado

Diante do quadro, o balanço atuarial (previsão financeira com base no desempenho de seguros e fundos de pensão) indica que, nas condições atuais, não há chance de se equacionar o desequilíbrio entre receitas e despesas do Rioprevidência até 2083. O que é grave, pois a lei determina 35 anos, a partir da criação, para um fundo se tornar autossustentável.

- A gestão patrimonial do Rioprevidência não foi, ao longo dos anos, tratada com seriedade. O fundo foi loteado politicamente e os escândalos se sucederam. Somente durante a CPI do Rioprevidência, constatamos um prejuízo de R$30 milhões aos cofres públicos. Depois, outros casos de irregularidades, tão ou mais graves, vieram à tona - diz o deputado Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB), da Comissão de Orçamento da Alerj.

O espólio de problemas foi herdado pela atual gestão do Rioprevidência. O economista Wilson Risolia Rodrigues, ex-chefe da Divisão de Estudos Econômicos e Programação Financeira da Caixa Econômica Federal, assumiu a presidência do fundo, em junho de 2007, com a missão de descascar um difícil abacaxi financeiro. O desconhecimento da base de dados foi o primeiro ponto a ser atacado. Hoje, o Rioprevidência já tem pleno conhecimento não só do quadro de pessoal do Executivo, mas de todo o Legislativo e do Judiciário. Isso permitiu que se fizesse um cálculo mais realista do déficit atuarial, agora estimado em R$47 bilhões.

Risolia diz que, ao assumir o cargo, encontrou o caixa zerado e encerrou o ano com R$300 milhões na conta. Mesmo assim o relatório das contas de gestão do estado de 2007 do Tribunal de Contas do Estado (TCE) ainda indicou, no final do período, um déficit financeiro de R$135 milhões no Rioprevidência.

Equilibrar as contas não é tarefa simples. Os gastos são pesados. Ao todo, a folha do Rioprevidência envolve o pagamento de 138 mil aposentados, que correspondem a uma despesa de R$400 milhões mensais, e de 89 mil pensionistas (R$100 milhões). Ou seja, há um gasto fixo por mês de R$500 milhões. Risolia apelou para um choque de gestão, que incluiu desde maior controle e acompanhamento das operações financeiras até um inventário da carteira de imóveis (cerca de mil unidades) que integram o patrimônio do fundo e estava se degradando:

- Não há almoço grátis. Os resultados positivos que conseguimos em 2007 e 2008, com ênfase no segundo semestre, foram em parte graças ao salto dos royalties do petróleo, mas também ao nosso esforço de gestão, de maximizar o retorno sobre a carteira total do fundo.

O presidente do Rioprevidência descobriu que havia imóveis invadidos, favelizados ou que não geravam um centavo de aluguel. A casa de espetáculos Scala, inadimplente há anos, é hoje alvo de uma ação de reintegração de posse da Procuradoria Geral do Estado. Do conhecido restaurante Albamar, que repassava um valor inexpressivo ao estado, o Rioprevidência, após concorrência, passou a cobrar R$11 mil mensais. Luiz Incao, ex-chef do Copacabana Palace, que assumiu a casa no início deste ano, diz que a recuperação do restaurante, tombado em 1962 e reformado pela última vez em 64, vai custar entre R$1,5 milhão e R$2 milhões.

- Foi um negócio bom para todo mundo - comemora.

Após avaliações, plano é vender imóveis

Hoje, há 350 processos de reintegração de posse que correm na Procuradoria Geral do Estado e 350 unidades inscritas na dívida ativa. Apenas sete unidades estão alugadas, gerando alguma renda. Agora, o Rioprevidência vai aguardar a avaliação de uma auditoria para pôr a maior parte dos imóveis à venda. Um deles, um espaço para vaga de garagem que fica em cima do Teatro Casa Grande, no Shopping Leblon, está avaliado em cerca de R$70 milhões.

O professor Benedito Passos, coordenador do Núcleo Atuarial de Previdência da UFRJ, avalia que, no passado recente, houve uma irresponsabilidade coletiva com a questão previdenciária no Brasil:

- O fato de o estado já começar o mês com uma dívida de R$500 milhões com inativos é uma coisa de doido. Isso acontece porque, há pouco tempo, uma pessoa passava dois, três meses numa função e se aposentava com vencimentos integrais, aos quais não fazia jus. Acabando com abusos, o fundo é a maneira mais racional de planejar o futuro. O rombo (no Rioprevidência) já foi maior, de R$100 bilhões. Agora, acho que a autarquia está trabalhando no campo das soluções e não no das lamentações - afirma Passos, acrescentando que, na medida do possível, o Rioprevidência deve ir acolhendo decisões judiciais sobre questões previdenciárias para que elas não se tornem uma bola de neve.