Título: Menos US$414 bi em riqueza
Autor: Duarte, Patrícia; Paul, Gustavo
Fonte: O Globo, 15/03/2009, Economia, p. 27
Crise encolhe PIB de 8 países em desenvolvimento, inclusive Brasil.
A crise financeira internacional, que explodiu no último 15 de setembro, pode custar a oito países emergentes - entre os quais Brasil, Rússia, Índia e China, o chamado Bric - US$413,5 bilhões. Esse é o volume de riquezas que eles podem deixar de gerar, com custos para emprego, renda, investimentos públicos e recuperação mundial, entre outubro passado e dezembro deste ano, se não for alterada a situação do quarto trimestre de 2008, o primeiro a captar o tsunami financeiro que deixou as economias muito longe de seu potencial, arrastando ladeira abaixo o Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos) das nações.
Feito pelo economista-chefe do Itaú, Tomas Málaga, o cálculo dá magnitude ao possível estrago que pode ter para a economia global a nova e segunda onda da crise internacional: a que pode deixar à deriva os países emergentes. Até pouco tempo, eles eram considerados os principais amortecedores para a turbulência, mas foram surpreendidos pela falta global de crédito e a abrupta retração do comércio internacional.
O alerta parte de todos os lados, do governo brasileiro a importantes organismos internacionais, passando pelos diversos especialistas consultados pelo GLOBO. Como diagnóstico, ele alimenta o pessimismo sobre a recuperação econômica global.
Só no último trimestre de 2008, os países dos Brics, México, Argentina, Ucrânia e Hungria viram escorrer pelo ralo US$82,7 bilhões de suas riquezas - ou seja, poderiam ter acumulado esse valor, mas a crise impediu. Se as medidas que vêm sendo tomadas não surtirem efeito, essa situação se multiplicaria ao longo deste ano, custando outros US$330,8 bilhões a esse conjunto de nações. Seria como riscar do mapa um quarto do Brasil ou mais de uma Argentina.
Para Málaga, a boa notícia é que os governos têm tomado medidas para evitar esse desastre maior:
- Esses países estão sofrendo mais com a restrição de liquidez, falta de crédito, no mundo todo. E como muitos deles têm problema de balanço de pagamentos (equilíbrio entre obrigações e haveres do país com o exterior) ou dependem de exportações, a situação é sensível.
Fluxo de capital deve desabar, diz BNDES
- A tese do descolamento (dos emergentes) acabou. Como secaram as fontes de financiamento externo para economias emergentes, elas estão vivendo dificuldades. A novidade agora é que a conta começa a morder: é hora de pagar - corrobora Otaviano Canuto, ex-vice-presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) que assume, em abril, a vice-presidência de Redução da Pobreza e Gestão Econômica do Banco Mundial (Bird).
A secura do crédito, avalia o Banco Central (BC), acabou desembocando em uma "redução violentíssima" e inesperada dos estoques de capital e, consequentemente, da atividade econômica. Primeiro dos países ricos, depois dos emergentes, cujo risco - especialmente para os que não dispõem de gordas reservas internacionais - é não conseguirem financiar suas contas.
- O risco desses países cresce de forma quase vertical. Temos um fator potencial de problemas - afirmou o presidente do BC, Henrique Meirelles, na última reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.
No mesmo encontro, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, lembrou que os fluxos de capital para os países em desenvolvimento deve reduzir-se, de quase US$1 trilhão antes da crise, para cerca de US$100 bilhões a US$150 bilhões este ano. O crédito bancário aos governos e às empresas também enfrenta retração:
- Esses créditos, que chegaram a algo entre US$250 bilhões e US$300 bilhões por ano, devem se tornar negativos - disse Coutinho.
Nesse grupo estão Ucrânia e Hungria, com apenas US$22 bilhões nas reservas, e a Argentina, com US$32 bilhões. Esses montantes não respondem nem por cinco meses de importações desses países, muito pouco se comparado aos quase 15 meses de Brasil, China e Rússia. Canuto lembra que a Europa Oriental vinha crescendo com base em empréstimos habitacionais e déficits elevados - sem crédito, as âncoras acabaram. E essa deve ser a área mais afetada.
- Já a Rússia está arrebentada pela retração do preço do petróleo e por problemas cambiais - afirmou o economista Dirceu Bezerra Junior, da Rosenberg e Associados.
Na América Latina, "cada um por si"
Na América Latina, diz Canuto, haverá o impacto do encolhimento do turismo (países da região central) e do mercado de commodities - caso da Venezuela (petróleo) e da Argentina (produtos agrícolas). Evaldo Alves, professor da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, acrescenta que a Argentina, devido ao histórico de calote e à política errática do casal Kirchner, terá dificuldade de financiamento:
- No restante da América Latina vai ser cada um por si, pois não há um sistema financeiro unificado na região.
Já a China divide opiniões. Para uns, como o professor da Unicamp Fernando Sarti, o investimento maciço em infraestrutura e o gigantesco mercado doméstico podem absorver parte das exportações mundiais. Mas Coutinho e Canuto advertem que a economia chinesa já vinha desacelerando antes mesmo de a crise se agravar.