Título: EUA e Brasil criarão grupo bilateral para enfrentar crise
Autor: Scofield Jr., Gilberto
Fonte: O Globo, 15/03/2009, Economia, p. 29
Em encontro na Casa Branca, Lula e Obama discutem protecionismo e etanol.
WASHINGTON. No primeiro encontro de um chefe de Estado da América Latina com o líder da maior economia do mundo, o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e o presidente dos EUA, Barack Obama, anunciaram a criação de um grupo de trabalho bilateral que vai apresentar propostas comuns sobre como restabelecer o crédito internacional, aumentar a confiança no sistema financeiro e recuperar as economias afetadas pela pior crise econômica vivida pelo planeta desde a década de 30. As sugestões serão apresentadas na reunião de chefes de Estado e governo do grupo das 20 maiores economias do mundo (G-20), marcada para o dia 2 de abril em Londres.
Recebido por Obama na Casa Branca, Lula também conversou com o presidente americano sobre o programa de biocombustíveis brasileiro. Mas, por enquanto, não houve avanços no pleito do Brasil de reduzir a taxação americana sobre o etanol exportado para lá.
Lula critica protecionismo dos países ricos
Nas discussões sobre a economia internacional, o tom otimista sobre a possibilidade de os países desenharem um plano de ação na reunião do G-20 cedeu espaço à resignação sobre o tamanho da crise econômica e seu reflexo na adoção de medidas protecionistas pelo mundo.
Lula criticou o protecionismo dos países ricos para o presidente Obama, mas tanto um quanto outro admitiram que a maneira como a crise vem afetando os negócios das empresas e reduzindo empregos pelo planeta torna muito difícil para os governos avançarem no combate ao protecionismo e no destravamento, a curto prazo, da Rodada de Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC).
- Estamos convencidos de que a crise pode ser resolvida com decisões políticas no G-20 - disse o presidente Lula. - Sou otimista, porque não há saída individual para esta crise. O momento não é para apontarmos culpados, mas para trabalharmos juntos para conseguir soluções. É como um navio que está afundando em meio a uma tempestade. Não interessa quem é o responsável pelo buraco no casco, mas salvar as pessoas.
Obama afirmou que não há discordância dentro do G-20 sobre a melhor maneira de enfrentar a crise, desmentindo rumores de que os EUA prefeririam adotar uma ação conjunta de estímulo fiscal e de crédito às economias, enquanto a União Europeia estaria mais propensa a optar por uma maior regulamentação do sistema financeiro internacional.
- Há um consenso entre todos os países sobre a gravidade de uma situação onde a economia mundial se encontra comprimida - afirmou Obama. - Todos concordamos sobre a necessidade de adoção de pacotes de estímulo econômico, bem como da reforma do sistema financeiro.
Sobre as negociações na OMC, a abordagem ganhou tons mais pragmáticos do que o discurso geralmente esperançoso, tanto no Palácio do Planalto quanto na Casa Branca, sobre a capacidade dos governos de destravar o comércio, baixar tarifas e abrir novos mercados, num momento em que muitos países temem o aumento da concorrência externa e trabalhadores vivem a ameaça do desemprego:
- O pacote de recuperação econômica dos EUA está dentro dos parâmetros de respeito às regras estabelecidas na OMC e tenho certeza que as ações do presidente Lula no Brasil vão na mesma direção. Mas o momento é difícil e exige ao menos empenho para que não recuemos nas conquistas feitas até agora nas negociações de Doha - disse Obama.
- Fizemos um esforço enorme para fechar um acordo em Doha e só não chegamos a este ponto por conta de diferentes expectativas do governo da Índia, na questão agrícola, e dos EUA, na questão dos subsídios - afirmou Lula.
Lula defende avanço nas negociações de Doha
O presidente brasileiro destacou, porém, que é preciso insistir nas negociações comerciais.
- Acredito que agora, em meio a crise, avançar será mais difícil, mas também creio que Doha possa ser um importante componente de recuperação da economia industrial, especialmente para os países mais pobres - disse Lula.
O maior exemplo das barreiras tarifárias impostas por países ricos a produtos de países emergentes - e a dificuldade dos governos de combatê-los, especialmente num momento de crise - é o etanol brasileiro que, apesar de ser considerado um combustível menos poluente, não consegue ser vendido a distribuidores dos Estados Unidos por ser pesadamente taxado. Enquanto isso, o petróleo é importado sem tarifas nos EUA.
Não houve avanços concretos para a entrada do etanol brasileiro no mercado americano, mas o presidente Lula considerou o assunto o mais promissor em termos de avanços a médio prazo:
- O presidente Obama se mostrou um entusiasta do programa de biocombustíveis brasileiro, inclusive da possibilidade de trabalharmos juntos com países do continente africano, transferindo tecnologia e transformando-os em fornecedores do mercado dos Estados Unidos - afirmou Lula.
Obama vê etanol brasileiro nos EUA "a longo prazo"
Barack Obama admitiu que existem pontos de tensão entre os dois países na questão dos biocombustíveis, mas destacou que seu governo está começando e que, a longo prazo, a questão do acesso do etanol ao mercado americano será resolvida.
- Temos outros problemas aqui com relação aos biocombustíveis. Nós podemos fazer carros com motor flexível, por exemplo, mas não temos postos de gasolina para abastecer os carros com os dois combustíveis e isso precisa ser resolvido - afirmou.
O encontro entre as equipes de Lula e Obama começou às 11h e durou duas horas: 1h20 de conversas entre as missões brasileira e os assessores americanos (meia hora somente entre Lula e Obama) e 40 minutos de coletiva de imprensa, na qual compareceram 13 jornalistas de cada país. O presidente Lula presenteou Obama com um prisma esculpido em pedras preciosas tipicamente brasileiras, enquanto Obama ofereceu a Lula com uma peça de decoração chamada "Constitution Box", adornada com trechos da Carta Magna americana.
O presidente Lula seguiu ontem para Nova York, onde participará de seminários sobre oportunidades de investimentos no Brasil.
oglobo.com.br/economia