Título: Papa: distribuir camisinha pode agravar Aids
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Fonte: O Globo, 18/03/2009, O Mundo, p. 24

Na 1ª visita à África, onde vivem 2/3 dos soropositivos do mundo, Bento XVI defende solução via "despertar espiritual"

YAOUNDÉ, Camarões. O Papa Bento XVI declarou ontem, a caminho de sua primeira visita como Pontífice à África, que a camisinha não é solução para a Aids e que sua distribuição pode até agravar o problema. Segundo o Papa, que fez as declarações pouco antes de chegar à República dos Camarões, por onde iniciou a visita, a solução está no "despertar humano e espiritual". A África Subsaariana concentra dois terços dos portadores do vírus HIV no mundo.

- (A Aids) é uma tragédia que não pode ser resolvida apenas com dinheiro, que não pode ser resolvida com a distribuição de camisinhas, o que, pelo contrário, pode até agravar o problema - afirmou.

Região tem o maior crescimento de fiéis católicos

As declarações foram endereçadas ao continente onde a Igreja Católica Romana registra seu maior crescimento e onde 25 milhões de pessoas morreram com a doença desde a década de 80. Segundo o Vaticano, católicos batizados responderam por 16% da população africana em 2006, contra 12% em 1978, apesar da competição das igrejas evangélicas e do islamismo. Apenas na região subsaariana há 22 milhões de portadores do vírus e o índice de infecção passa de 20% da população adulta em alguns países. A forma de contágio mais comum é por relação sexual heterossexual.

A condenação do uso da camisinha é controversa até mesmo entre padres e freiras que trabalham com portadores do vírus.

Em 2003, o cardeal Alfonso Lopez Trujillo causou polêmica ao afirmar que a camisinha pode ajudar a disseminar a Aids por criar uma falsa sensação de segurança e que o método não é eficaz no bloqueio do contágio. O cardeal, que morreu no ano passado, comandava o Conselho Pontifício Para a Família.

Bento XVI já havia defendido em 2005 que a abstinência sexual antes do casamento e a fidelidade - e não as camisinhas - são os caminhos para interromper a epidemia. No entanto, essa é a primeira vez que um Papa afirma que a distribuição de camisinhas pode agravar o problema.

A declaração gerou protestos. A diretora de comunicação da Campanha de Ação e Tratamento da África do Sul, Rebecca Hodes, disse que, apesar de concordar com o Papa de que o uso de camisinha, sozinho, não é uma solução para a epidemia, este é um dos poucos métodos preventivos cuja eficácia foi comprovada.

- A posição dele em relação às camisinhas sugere que o dogma religioso é mais importante para ele do que a vida dos africanos - disse.

Organizações de homossexuais na Itália também condenaram as declarações.

- Mais uma vez se evidencia a responsabilidade não só moral, mas também direta, da Igreja Católica na falta de prevenção do HIV. Ainda mais irresponsável é dizer que o uso de preservativos aumenta os problemas - disse Franco Grillini, presidente da organização Gaynet.

Camaroneses fazem recepção calorosa

Segundo dados do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids, existem hoje no mundo cerca de 33 milhões de portadores do vírus HIV. Em 2007, 75% de mortes provocadas pelo HIV ocorreram na África Subsaariana.

O Papa foi recebido no aeroporto por dezenas de milhares de camaroneses com danças e músicas típicas. Em seu discurso de chegada, Bento XVI pediu aos cristãos para combater a violência, a pobreza, a corrupção e o abuso de poder. O Pontífice ficará uma semana no continente, onde também visitará Angola.